Colaborador - Ivan Horcaio

05-03-2020 18h08

Criminologia - Premissa do Crime

O crime já existia na face da terra antes que essas expressões fossem inventadas. Povos cultos e civilizados, mesmo nos dias de hoje, conseguem fabricar seus delitos sem que seus mais eminentes dogmatas sequer conheçam o significado nuclear dessas mágicas palavras do moderno Direito Penal. Nem mesmo nós, no Brasil, eméritos copistas, nos últimos decênios, das elucubrações fantasiosas de divertidos penalistas alemães, chegamos a nos entender no assunto, o que não é de causar espanto. As palavras, afinal, significam o que se espera que elas signifiquem, seja para quem fala, seja para quem escuta.

Ninguém escapa à tentação (para evitar-se o termo incompetência) de acrescentar seu condimento preferido, na retransmissão da receita. Um condimento que se pretende coincidente com a norma legislada ou com os princípios avançados de justiça e equidade.

A premissa do crime é o fato social porque é este que sintetiza a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade, sem que a recíproca se mostre verdadeira. É o fato social que controla e catalisa a punibilidade, marca registrada do crime ou delito. Fato social, ou seja: atitude, comportamento ou realidade intrinsecamente cativos ou persuasivos na vida de relação dos indivíduos.

Como fenômeno jurídico (ou antijurídico, pouco importa), depende o crime, para subsistir, da resistência que lhe opõe a ordem social estabelecida. Matar índios é crime entre os índios, mormente se pertencem à mesma tribo.

Matar índios é serviço à comunidade no período de implantação e expansão de colônias europeias no Novo Mundo. Haveria sequestro, entre nós, na confinação forçada de dissidente político em hospital psiquiátrico?

Verdades tão banais se relegam todavia a segundo plano, nos compêndios de direito penal, ou se reputam reservadas à pesquisa histórico-sociológica. Descobre-se que ao penalista cabe penetrar na estrutura ou essência jurídica do crime, auxiliado, ou não, pelo legislador.

É assim que figuras como o estado de necessidade, legítima defesa, exercício de direito e cumprimento do dever ganham ares de autonomia ontológica perante os fatos do homem, os mesmos fatos que lhes fornecem, nada obstante, a mais concreta e tangível juridicidade ocasional. No arranha-céu dos dogmatas até o vazio das paredes se transforma em estrutura. E como ele é invisível, resiste com altivez camaleonesca às mais disparatadas transformações da sociedade e do indivíduo, desde tempos imemoriais.

O Direito Penal trabalha com três conceitos de delito: material, formal e analítico.

O conceito material está vinculado ao ato que possui danosidade social ou que provoque lesão a um bem jurídico. O conceito formal está ligado ao fato de existir uma lei penal que descreva determinado ato como infração criminal

Já o conceito analítico expõe os elementos estruturais e aspectos essenciais do conceito de crime. Perguntando a um penalista sobre o conceito analítico de delito, ele irá responder (pelo menos a grande maioria) que o crime é um ato típico, ilícito e culpável. Outros responderão que o crime é um fato típico e ilícito. E agora, também, retornando ao conceito de que o crime é um fato típico, ilícito, culpável e punível, haverá respostas apontando esses quatros elementos essenciais.

Esses conceitos são fundamentais para que a hermenêutica possa ser utilizada. Assim, é possível ao intérprete da norma aplicar a norma abstrata ao caso concreto com a segurança que tais situações exigem.

Na verdade, os conceitos formal e material não traduzem com precisão que seja crime. Se há uma lei penal editada pelo Estado, proibindo determinada conduta, e o agente a viola, se ausente qualquer cláusula de exclusão da ilicitude ou dirimente da culpabilidade, haverá crime. Já o conceito material sobreleva a importância do princípio da intervenção mínima quando aduz que somente haverá crime quando a conduta do agente atenta contra os bens mais importantes. Contudo, mesmo sendo importante e necessário o bem para a manutenção e subsistência da sociedade, se não houver uma lei penal protegendo-o, por mais relevante que seja, não haverá crime se o agente vier a atacá-lo, em face do princípio da legalidade.

Mas esses conceitos são rasos. Eles não traduzem a profundidade do fenômeno criminal. Isso fica visível na diferença que existe na aplicação da lei penal pela Justiça Criminal togada e pelo Tribunal do Júri. O crime é muitas vezes visto de forma distanciada, sem emoção, comparando-se com jurisprudências e mais jurisprudências; no Tribunal do Júri é tudo insólito, a emoção nos julgamentos está presente, os jurados em seu íntimo se colocam no banco dos réus e se perguntam se teriam feito a mesma coisa. Antes de acusação e defesa discursarem sobre legítima defesa e inexigibilidade de conduta diversa, o jurado já fez, pelo menos por algumas vezes, a operação mental de ter se colocado no lugar do réu, com as condições pessoais do mesmo e na hora dos fatos. Antes da descrição abstrata do crime (utilizado pelo Direito Penal), o jurado quer perscrutar os fatores que levaram à ocorrência daquele homicídio. O Tribunal do Júri é pura Criminologial. Ali estão presentes delito, delinquente, vítima e o controle social.

A Criminologia moderna não mais se assenta no dogma de que convivemos em uma
sociedade consensual. Pelo contrário, vivemos em uma sociedade conflitiva. Não basta afirmar que crime é o conceito legal. Isso não explica tudo e não ajuda em quase nada na percepção da origem do crime. O crime é muito complexo, ele pode ter origens das mais diversas como o excessivo desnível social de uma localidade, defeitos hormonais no corpo de uma pessoa, problemas de ordem psíquica como traumas, fobias e transtornos de toda ordem emocional etc.

A Criminologia moderna busca se antecipar aos fatos que precedem o conceito jurídico-penal de delito. O Direito Penal só age após a execução (ex.: tentativa) ou na consumação do crime. A Criminologia quer mais. Ela quer entender a dinâmica do crime e intervir nesse processo com o intuito de dissuadir o agente de praticar o crime, o que pode ocorrer das mais variadas formas. Mas para que isso seja feito, a

Criminologia teve que desenvolver outros conceitos para o delito. Conceitos estes mais próximos e íntimos da realidade que o fenómeno criminal apresenta. Diversos conceitos foram surgindo no desenvolvimento da Criminologia. Já foram tratados aqui os três conceitos utilizados pelo Direito Penal, os quais são obrigatórios pontos de partida da Criminologia, mas não esgotam o problema.
Molina (Molina, Gomes, 2002, p. 66) leciona que Garofalo chegou a criar a figura do delito natural, ou seja, para ele, delito seria: "uma lesão daquela parte do sentido moral, que consiste nos sentimentos altruístas fundamentais (piedade e probidade) segundo o padrão médio em que se encontram as raças humanas superiores, cuja medida é necessária para a adaptação do indivíduo à sociedade", outros autores, no entanto, realçam a nocividade social da conduta ou a periculosidade do seu autor.

A sociologia criminal já utiliza outro parâmetro, bastante em voga na atualidade: o de conduta desviada ou desvio. Esse critério utiliza como paradigma as expectativas da sociedade. As condutas desviadas são aquelas que infringem o padrão de comportamento esperado pela população num determinado momento. E um conceito que não se confunde com o de crime, mas que o abrange.

Anthony Giddens ensina que podemos definir o desvio como o que não está em conformidade com determinado conjunto de normas aceitas por um número significativo de pessoas de uma comunidade ou sociedade. Como já foi enfatizado, nenhuma sociedade pode ser dividida de um modo linear entre os que se desviam das normas e aqueles que estão em conformidade com elas. A maior parte das pessoas transgride, em certas ocasiões, regras de comportamento geralmente aceitas.

Quase toda a gente, por exemplo, já cometeu em determinada altura atos menores de furto, como levar alguma coisa de uma loja sem pagar ou apropriar-se de pequenos objetos do emprego – como papel de correspondência - e dar-lhes uso privado. A dada altura de nossas vidas, podemos ter excedido o limite de velocidade, feito chamadas telefônicas de brincadeira (trote), ou fumado marijuana (maconha).

Desvio e crime não são sinônimos, embora muitas vezes se sobreponham. O âmbito do conceito de desvio é mais vasto do que o conceito de crime, que se refere apenas à conduta inconformista que viola uma lei. Muitas formas de comportamento desviante não são sancionadas pela lei. Sendo assim, os estudos sobre desvio podem examinar fenômenos tão diversos como os naturalistas (nudistas), a cultura "rave" ou os viajantes "new age". O conceito de desvio pode aplicar-se tanto ao comportamento do indivíduo, como às atividades dos grupos.

O conceito de desvio tem íntima relação com a política de controle da criminalidade conhecida como tolerância zero. O controle da criminalidade naquele modelo começa na repressão de condutas desviadas.


Criminologia - Introdução

Criminologia - O Delinquente

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