Colaborador - Ivan Horcaio

25-02-2020 13h07

Estatuto da Criança e Adolescente - Disposições Preliminares (Parte 1)

Art. 1º - Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.

As “disposições preliminares”, relacionadas nos artigos 1º a 6º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, trazem regras (conceito de criança e adolescente, abrangência da Lei, etc.) e princípios (como os relativos à proteção integral e prioridade absoluta), a serem observados quando da análise de todas as disposições estatutárias, que por força do disposto nos artigos 1º e 6°, deste Título I, devem ser invariavelmente interpretadas e aplicadas em benefício das crianças e adolescentes. Princípios adicionais quanto à interpretação e aplicação das disposições da Lei 8.069/90 estão relacionados no artigo 100, caput e parágrafo único, do ECA, assim como em tratados e convenções internacionais das quais o Brasil é signatário.

Art. 2º - Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.
Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.

O ECA conceitua, de forma objetiva, quem é considerado criança e quem é considerado adolescente, para fins de incidência das disposições contidas no ECA (que em diversas situações estabelece um tratamento diferenciado para ambas categorias. Trata-se de um conceito legal e estritamente objetivo, sendo certo que outras ciências, como a psicologia e a pedagogia, podem adotar parâmetros etários diversos (valendo também mencionar que, nas normas internacionais, o termo “criança” é utilizado para definir, indistintamente, todas as pessoas com idade inferior a 18 anos).

Interessante observar que o legislador (a exemplo do que já havia feito o constituinte, quando da promulgação do artigo 227, da Constituição) deixou de utilizar, propositalmente, o termo “menor”, que possui uma conotação pejorativa e discriminatória, incompatível, portanto, com a nova orientação jurídico-constitucional, que além de alçar crianças e adolescentes à condição de titulares de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana (dentre os quais os direitos à dignidade e ao respeito), também impôs a todos (família, comunidade, sociedade em geral e Poder Público, o dever de respeitá-los com a mais absoluta prioridade, colocando-os a salvo de qualquer forma de discriminação ou opressão, o que compreende, obviamente, a própria terminologia utilizada para sua designação.

Embora impróprio, o termo “menor” continua, no entanto, a ser utilizado em outros diplomas legais, como a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e o Código Civil. Importante também mencionar que eventual emancipação de jovens entre 16 (dezesseis) e 18 (dezoito) anos de idade, nos moldes do permitido pelo artigo 5º, parágrafo único, do Código Civil, não desvirtua sua condição de adolescentes, para fins de incidência das normas de proteção contidas no ECA e em outros Diploma Legais correlatos. 

Art. 3º - A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Parágrafo único.  Os direitos enunciados nesta Lei aplicam-se a todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem.

Apesar de dizer aparentemente o óbvio, o presente dispositivo traz uma importante inovação em relação à sistemática anterior ao ECA, na medida em que reconhece a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, e não meros “objetos” da intervenção estatal. Tal disposição é também reflexo do contido no artigo 5º, da Constituição Federal, que ao conferir a todos a igualdade em direitos e deveres individuais e coletivos, logicamente também os estendeu a crianças e adolescentes. 

O verdadeiro princípio que o presente dispositivo encerra, tem reflexos não apenas no âmbito do direito material, mas também se aplica na esfera processual, não sendo admissível, por exemplo, que adolescentes acusados da prática de atos infracionais deixem de ter fielmente respeitadas todas as garantias processuais asseguradas aos acusados em geral, seja qual for sua idade. 

A condição de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos torna ainda obrigatória sua oitiva sempre que em jogo estiver a necessidade de salvaguarda de seus direitos, seja por parte dos pais ou responsável, seja por parte do Estado (lato sensu), em especial quando da aplicação das medidas de proteção relacionadas no artigo 101, do ECA (desde que, logicamente, a criança ou adolescente tenha condição de exprimir sua vontade), tal qual expresso pelo artigo 12, da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, de 1989 e art. 100, par. único, inciso XII, do ECA.

Com relação ao parágrafo único, trata-se de mais uma referência ao princípio da isonomia (ou da não discriminação), que demanda uma nova forma de ver, compreender e atender crianças, adolescentes e famílias que se encontram em aparente situação de vulnerabilidade, inclusive de modo a evitar que, a pretexto de “proteger” qualquer deles, a intervenção estatal acarrete a violação de um ou mais de seus direitos (a exemplo do que usualmente ocorria sob a égide do revogado “Código de Menores”, sobretudo através da banalização do acolhimento institucional de crianças/adolescentes consideradas “em situação irregular”, muitas vezes, em razão da carência econômica de suas famílias ou situações a esta relacionadas).

Ainda sobre os direitos fundamentais, importante ressaltar que a doutrina identifica três gerações (ou para alguns "dimensões") em sua evolução, chegando, inclusive, ao reconhecimento de uma quarta geração (ou dimensão). São eles:

a) Direitos Fundamentais de 1ª Geração: a primeira geração de direitos fundamentais dominou o século XIX e diz respeito às liberdades públicas e aos direitos civis e políticos, correspondendo aos direitos de liberdade. Tais direitos têm como titular o indivíduo e se apresentam como direitos de resistência ou de oposição perante o Estado. Postulou-se, nesta época, a não intervenção do Estado.

b) Direitos Fundamentais de 2ª Geração: a partir do século XIX, após a Revolução Industrial europeia, marcada pelas péssimas condições de trabalho, houve a necessidade de se privilegiar. os direitos sociais, culturais e econômicos, correspondendo aos direitos de igualdade. Para que a igualdade se concretizasse, ao contrário do defendido na P Geração, era necessária maior participação do Estado, face ao reconhecimento de sua função social, através de prestações positivas, que visassem o bem-estar do indivíduo.

c) Direitos Fundamentais de 3ª Geração: no final do século XX, período marcado por profundas mudanças na comunidade internacional e na sociedade (contratação em massa, crescente desenvolvimento tecnológico e científico), com a finalidade de tutelar o próprio gênero humano, surgiram os direitos considerados transindividuais, direitos de pessoas consideradas coletivamente. São os direitos de fraternidade, de solidariedade, como o direito ao meio ambiente equilibrado, à proteção dos consumidores, etc.

Alguns autores apontam, ainda, uma quarta geração de direitos. Tal geração seria resultado da globalização dos direitos fundamentais, de forma a universalizá-los institucionalmente, citando como exemplos o direito à democracia, à informação e ao pluralismo. Norberto Bobbio trata a quarta geração sob o enfoque da problemática da manipulação genética do ser humano.
 


Estatuto da Criança e Adolescente - Disposições Preliminares (Parte 2)

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