Colaborador - Ivan Horcaio

03-03-2020 09h25

Estatuto da Criança e Adolescente - Disposições Preliminares (Parte 2)

Art. 4º - É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;

b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

O artigo 4°, que segue a mesma diretriz do artigo 227, caput, da Constituição Federal, procura deixar claro que a defesa e promoção dos direitos fundamentais assegurados à criança e ao adolescente, não é tarefa de apenas um órgão ou entidade, mas deve ocorrer a partir de uma ação conjunta e articulada entre família, sociedade/comunidade e Poder Público (em todas as esferas de governo, conforme artigos 86 e 100, parágrafo único, inciso III, do ECA). 

Importante mencionar que, não por acaso, a família foi relacionada como a primeira das instituições convocadas a atuar na defesa dos direitos de crianças e adolescentes, haja vista que todo o trabalho desenvolvido em benefício destes deve ocorrer preferencialmente no âmbito familiar (vide também os princípios relacionados no artigo 100, parágrafo único, incisos IX e X, do ECA). 

Outra também não foi a razão de o direito à convivência familiar ter sido expressamente relacionado como um dos direitos fundamentais a serem assegurados com absoluta prioridade à criança e ao adolescente (artigos 4º, caput, combinado com o artigo 19 e seguintes do ECA e artigo 227, da Constituição Federal), tendo o legislador estatutário, como resposta ao enunciado do artigo 226, da Constituição Federal, estabelecido inúmeros mecanismos de proteção à 

O presente artigo encerra o princípio da prioridade absoluta à criança e ao adolescente, que deve nortear a atuação de todos, em especial do Poder Público, para  e defesa e promoção dos direitos assegurados a crianças e adolescentes. 

A clareza do dispositivo em determinar que crianças e adolescentes não apenas recebam uma atenção e um tratamento prioritários por parte da família, sociedade e, acima de tudo, do Poder Público, mas que esta prioridade seja absoluta (ou seja, antes e acima de qualquer outra), somada à regra básica de hermenêutica, segundo a qual “a lei não contém palavras inúteis”, não dá margem para qualquer dúvida acerca da área que deve ser atendida em primeiríssimo lugar pelas políticas públicas e ações de governo, como, aliás, expressamente consignou o parágrafo único, do dispositivo sub exame. 

O dispositivo, portanto, estabelece um verdadeiro comando normativo dirigido em especial ao administrador público, que em suas metas e ações não tem alternativa outra além de priorizar - e de forma absoluta - a área infanto-juvenil, como vem sendo reconhecido de forma reiterada por nossos Tribunais (exemplos dessa jurisprudência se encontram compilados ao longo da presente obra).

Art. 5º - Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

Trata-se do desdobramento do contido no artigo 227, caput, da Constituição Federal e artigos 34 e 36, da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, de 1989, do ECA, que impõem a todos o dever de velar pelos direitos assegurados a crianças e adolescentes, auxiliando no combate a todas as formas de violência, negligência ou opressão. 

As disposições relativas à prevenção e ao combate à violência contra crianças e adolescentes contidas no ECA são complementadas por outras normas, como a Lei 13.431/2017, que instituiu o “Sistema de

Garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência”, demandando a elaboração e implementação de uma política pública específica com tal finalidade.

Art. 6º - Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.

O presente dispositivo, que guarda alguma semelhança com o contido no art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (antiga Lei de Introdução ao Código Civil, Decreto-lei 4.657/42, com a redação do enunciado alterada pela Lei 12.376/10), traz uma importante regra de interpretação, que por sua vez deve ser analisada em conjunto com os artigos 1º, 5º e 100, do ECA. 

Como resultado, reputa-se inadmissível que qualquer das disposições estatutárias seja interpretada - e muito menos aplicada, em prejuízo das crianças e adolescentes que, em última análise, são as destinatárias da norma e da integral proteção por parte do Poder Público (inclusive do Poder Judiciário). Vide também artigo 121, caput, terceira parte, do ECA.

O Estatuto da Criança e do Adolescente há de ser interpretado dando-se ênfase ao objetivo visado, ou seja, a proteção e a integração do menor no convívio familiar e comunitário, preservando-se, tanto quanto possível, a liberdade.


Estatuto da Criança e Adolescente - Disposições Preliminares (Parte 1)

Direitos fundamentais - Direito à Vida e à Saúde (Parte 1)

COMPARTILHE COM SEUS AMIGOS

whatsapp twitter


^
subir