Autor(a) - Mardson Costa

11-09-2020 20h46

O que é tráfico privilegiado

No Brasil. uma das maiores causas de aumento da super população carcerária é justamente a prisão de pessoas por tráfico de entorpecentes, cuja pena vai de 5 a 15 anos, e multa. No entanto, a Lei 11.343/06 trás em seu bojo algumas características específicas, que dá o status de privilegiado ao delito por ela tutelado.

De acordo com o artigo 33, parágrafo 4º, para que o tráfico seja considerado como privilegiado, são necessários os seguintes requisitos, in verbis:

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

.................

Parágrafo 4º: Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.    

Pois bem, o parágrafo 4º do artigo 33 é claro no sentido de haver possibilidade de redução da pena em um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário; de bons antecedentes e não se dedique à atividade criminosa, ou seja, não faça disso seu meio de vida, e não seja membro de organização criminosa. Elencados esses requisitos, estamos diante de um tráfico privilegiado.

Devido ao fato desse delito na forma privilegiada ser de baixo potencial ofensivo à ordem pública, não haver violência nem grave ameaça, o Supremo Tribunal Federal em julgamento do Habeas Corpus 143.641, impetrado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, pacificou o entendimento de ser possível a aplicação da minorante prevista na respectiva lei, e por consequência aplicar o regime aberto para início de cumprimento de pena. Apesar de pacificado, este entendimento não era seguido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo que, após receber o recurso de Apelação do Ministério Público, sempre aumentava a pena em razão da gravidade abstrata do delito, utilizando se de argumentos de cunho preconceituoso e muitas vezes pejorativo para fixar regime mais gravoso do que o necessário para a repreensão do delito.

Por amor ao debate, esclarece que a função da pena é punir, prevenir, e tornar o indivíduo apto a conviver em sociedade. E para a aplicação desta, é necessário se pautar pelo princípio da proporcionalidade e razoabilidade, e aplicar o regime fechado para início de cumprimento de pena numa sentença que fixou 1 ano e 8  meses, além de ser desproporcional, é totalmente ilógico, haja vista que não compete ao judiciário se pautar pela moral e os bons costumes, sob a égide de proteção da sociedade para violar os princípios norteadores do Direito. Pensamentos retrógrados como não colaboram em nada para que a pena restaure o indivíduo.

Por conta desses desserviços jurídicos prestado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, a 6º turma do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento do Habeas Corpus 596.603 obrigou o Tribunal Ad quem a cumprir o entendimento já sedimentado pelos Tribunais Superiores. Vejamos o que disse o Ministro relator:

Se a lei é benevolente com algum tipo de crime, compete ao Congresso Nacional, legitimado pelo voto popular, modificá-la, sempre sujeita ao controle de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal. Não cabe ao Judiciário o uso de discursos metajurídicos de matizes ideológica ou moral para incrementar o rigor punitivo e para contornar com argumentos aparentemente jurídicos os limites impostos pela lei penal e pela jurisprudência consolidada”. Ministro Schietti.

Como frisado acima, não cabe ao judiciário tentar proteger a moral e os bons costumes se baseando pensamentos retrógrados. Por essa razão, o tráfico privilegiado, já conceituado acima, deve ter uma reprimenda proporcional ao mal causado, e 1 ano e 8 meses é totalmente proporcional a um delito de baixo, ou nenhum potencial ofensivo a coletividade.

Caso o Leitor se depare com situação semelhante, deverá contactar um advogado de sua confiança para buscar a aplicação do direito estabelecido pelas Cortes Superiores.

Atenção: o conteúdo desta publicação, bem como as ideias apresentadas, não representam necessariamente a opinião desta coluna, sendo de inteira responsabilidade de seu autor.

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Mardson Costa

Advogado. Graduado pela Faculdade São Paulo. Possui forte atuação no âmbito do Direito Penal e Direito Processual Penal, com ênfase também na execução penal. Consultor e parecerista jurídico. Pesquisador nas áreas do Direito Constitucional e Criminologia. Pós graduando em Direito e Processo Penal.




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