Contestação à ação anulatória de ato administrativo



EXMO. SR. DR. XXXXXXXXXXXX DE DIREITO DA 8ª VARA CÍVEL DESTA COMARCA

 

 

 

 

 

 

O MUNICÍPIO DE ..., pessoa jurídica de Direito Público interno, por seu atual Procurador-Geral (art. 12, II do CPC), nos autos de uma AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO que conjuntamente com outro lhes move E. P.A., cujo processo está em curso perante esse DD. Juízo, sob o nº 8.082, vem tempestivamente (art. 188 do CPC), apresentar sua

 

CONTESTAÇÃO o que ora faz com fundamento nos substratos fáticos e jurídicos seguintes:

 

PRELIMINARMENTE

 

No caso vertente, como se infere da petição inicial, trata-se de Ação Declaratória de nulidade de Ato Administrativo proposta por E.P.A. contra a “Prefeitura Municipal de ...” e A.S.B., visando seja declarado nulo o ato administrativo praticado pela administração precedente, que conferiu legitimação de posse ao segundo requerido de lote de terreno de nº 090, da quadra 069, zona 18, com a área de 178m2, situado à Avenida ... – Vila ..., nesta cidade, em síntese sob o argumento de que por contrato particular de cessão adquiriu em 29.05.1993, o direito de posse de tal bem, dos herdeiros diretos da posseira M.J.J.

 

Tendo em vista o princípio da eventualidade ou concentração adotado pelo sistema processual pátrio impõe-se ao contestante o ônus de arguir nesta oportunidade “toda a matéria de defesa” (art. 300), de forma que incumbes-lhe deduzir, de uma só vez, na contestação todas as defesas diretas ou indiretas de que dispõe, de caráter formal, material, ou de natureza processual, competindo-lhe, porém antes de discutir o mérito, suscitar no caso presente, a preliminar a seguir levantada, que impede a constituição ou desenvolvimento do processo e, consequentemente, a apreciação e julgamento do mérito, senão vejamo-la:

 

EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM O JULGAMENTO DO MÉRITO – INÉPCIA DA INICIAL – ILEGITIMIDADE PASSIVA E ATIVA “AD CAUSAM”

 

Consoante à regra do art. 267, do CPC, dentre outras hipóteses previstas “Extingue-se o processo, sem o julgamento do mérito, quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo” (inc. IV) “quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual” (inc. VI). De forma que, a falta delas é o suficiente para a declaração de extinção do processo. Nesse particular é o que preceitua o art. 329 do citado código: “Ocorrência qualquer das hipóteses previstas nos art. 267 e 269, NS II a V, o XXXXXXXXXXXX declarará extinto o processo”.

 

No concernente ainda às questões de natureza processual, que impedem o pronunciamento judicial sobre o mérito de lide, o art. 295 e seus incisos, Ä petição inicial será indeferida, quando for inepta; quando a parte for manifestamente ilegítima”.

 

Do contexto fático e jurídico emerge no caso concreto, notadamente, a ilegitimidade ativa e passiva ad causam; e, portanto, das partes, eis que, a autora não tem legitimidade para a causa nem tampouco a Prefeitura. A autora, como se vê na documentação não é juridicamente titular do Direito material, mas sim, os herdeiros da falecida M.J.J. Configurando-se, assim, a falta de legitimidade para a causa. Por sua vez, também, o é a Prefeitura contra a qual está sendo proposta a lide, pois se tem que pessoa jurídica de Direito Público (art. 18 CC) é o Município, e não a Prefeitura que é simples órgão executivo, ou a sede do governo local.

 

Com efeito, afigura-se hipótese de ilegitimidade ativa e passiva ad causam. Assim, dada a falta de coexistência dos pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo e não concorrendo às condições da ação, a consequência é a declaração da extinção do processo nos termos dos arts. 267, IV, VI e 295, do citado código, que, fica desde já, requerida.

 

DO MÉRITO

 

No caso presente, como se aduziu em preliminar não se afigura ou se viabiliza a possibilidade de exame e julgamento do mérito da causa diante da manifesta e inquestionável falta de legitimidade para figurar no polo ativo da lide como única titular de direito material, não obstante, a questão de mérito merece algumas considerações que reputamos oportunas.

 

Assim, nesse particular, de passagem, destaque-se que, a despeito da legitimação de posse trata-se de uma forma excepcional de transferência do domínio de terra devoluta ou de área municipal não utilizada pela administração e ocupada por longo tempo, por particular, como ocorre no caso concreto, nela levantando edificação para o seu uso quando se tratar de terra devoluta nela se instala, cultivando-a.

 

É inegável que a legitimação de posse se faz na forma administrativa estabelecida pelo Município e o respectivo título expedido é registrado ou averbado no Cartório Imobiliário competente para a transferência da propriedade ao legitimado.

 

Com efeito, uma vez expedido o título de legitimação de posse ao seu efetivo detentor transfere-se o domínio, pois, na verdade é título hábil de transferência de domínio independentemente de Escritura e, consequentemente basta o seu destinatário ou titular, ou sucessor levá-lo a registro.

 

No Registro de Imóveis, na abalizada opinião de Hely Lopes Meirelles, podem apresentar-se quatro situações distintas quando da apresentação do título de legitimação para registro:

 

“a) o imóvel não estar registrado;

b) o imóvel estar registrado em nome do próprio legitimado;

c) o imóvel estar registrado em nome do antecessor do legitimado;

d) o imóvel estar registrado em nome de terceiro estranho ao legitimado.”

 

Em seguida afirma o memorável jurista: “No primeiro caso (a), registra-se normalmente o título de legitimação; no segundo e no terceiro casos (b-c), o registro do título de legitimação de posse substituirá os registros anteriores; no quarto caso (d), registra-se o título de legitimação de posse, ficando sem efeito o registro existente. Em qualquer dos casos prevalecerão as metragens e a descrição do imóvel constante do título de legitimação de posse, pois a finalidade precípua deste ato é a regularização da propriedade pública e das aquisições particulares por esta forma anômala, mas de alto sentido social. Observe-se, finalmente, que não há nestes casos usucapião de bem público como direito de posseiro, mas sim reconhecimento do Poder público da conveniência de legitimar determinadas ocupações, convertendo-as em propriedade em favor dos ocupantes que atendam as condições estabelecidas na legislação da entidade legitimante. Essa providência harmoniza-se com o preceito constitucional da função social da propriedade (art. 170, III) e resolva as tão frequentes tensões resultantes da indefinição da ocupação, por particulares, de terras devolutas e de terras públicas não utilizadas pela Administração. “(Direito Administrativo Brasileiro, cit. autor, p. 883).

 

A propósito, vale assinalar que, a Municipalidade, pelo primeiro governo de ..., sentindo-se o drama dos ocupantes ou posseiros de áreas situadas na denominada “Vila ...” antiga zona boêmia, procurou regularizar a situação dos detentores da posse de lotes de terrenos com a edição da Lei nº ..., cuja legitimação fez através de título mediante comprovação da propriedade das construções e benfeitorias existentes nas áreas por justo título e boa-fé art. 5).

 

Ainda, neste passo, o Município proibiu a alienação entre vivos dos lotes de terrenos titulados ou legitimados, pelo prazo de dois anos, a contar da titulação (art. 9).

 

Na realidade, o lote de terreno objeto do pedido situa-se na área a que se refere a Lei nº ..., cuja posse originária pertencia a M.J.J., à época do plano de regularização,  em cujo nome encontravam-se lançadas as construções e benfeitorias, conforme registra o Parecer da Procuradoria constante dos autos, com base em informações do Setor de Patrimônio Imobiliário.

 

Convém salientar que, de fato, a Administração anterior – gestão de ..., da qual fez parte o requerido ..., ocupou a função ou cargo de confiança e, portanto de livre nomeação e exoneração - Chefe de Setor de Compras, ocasião em que lhe outorgou o título de posse do lote de terreno relacionado com o objeto da lide.

 

Como se vê, trata-se de posse derivada e não originária, já que esta pertenceu ä falecida M.J.J., e, por certo transferida aos seus herdeiros.

 

Na hipótese, como se observa, com a devida vênia, para discussão e decisão das questões da posse e propriedade plena há os caminhos apropriados. Como se sabe, a posse merece proteção legal por si mesma, independentemente do domínio, pois àquela a Lei assegura os meios de defesa e funda-se na doutrina acolhida pelo nosso direito (art 885 do CC), que a considera como a exteriorização da propriedade. Quem tem a posse, pelo menos presumidamente, é o proprietário, e, nesse caso, defendendo-se ou garantindo-se a posse, em última análise, estar-se-á garantindo o direito de propriedade.

 

Reportando-se aos fatos e documentos, obviamente, que cumprem à autora e ao requerido Antônio Fausto da Silva comprovar quem realmente detinha a posse antiga e quem de fato detém a posse atual, além da aquisição legal e regular por documento hábil.

 

A despeito das alienações, não se pode ignorar que, em se tratando de coisa comum indivisa, e, portanto pertencente a vários possuidores ou detentores da posse, conquanto cada possuidor-condomínio possua o direito de disposição de sua cota-parte, que, aliás, é um dos atributos da propriedade, não mais convindo a continuação da comunhão, qualquer dos consortes ou com proprietários poderá alhear a respectiva parte indivisa (art. 623, III do CC e art. 1139 do CPC) ou requerer a sua extinção, observadas  as preferências fixadas no art. 632 e disposição da Lei Processual (art. 1113 a 1119).

 

Vale registrar, por outro lado, que, uma vez configurada a hipótese de alienação de coisa comum indivisa, sem a observância das preferências legais, o condômino prejudicado poderá exercer tal preferência requerendo a adjudicação da coisa, antes da assinatura da carta de arrematação e diante o depósito do preço, e ainda, segundo a regra do art. 633. Nenhum condômino pode sem prévio consentimento dos outros, dar posse, uso e gozo da propriedade a estranhos, como se deduz facilmente, o condômino ou coproprietário poderá exercer qualquer ato de posse, inclusive transferi-la a outrem, desde que não exclua dos demais condôminos, dar posse a estranhos, verificando-se a exclusão valer-se-á das ações possessórias contra quem quer que seja, por isso, não se acha impedido de reaver o imóvel comum de quem ilegitimamente  a detém.

 

Assim, inexiste dúvida de que, se indivisível o imóvel comum ao condômino não assiste o direito de vender sua parte a estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto, se malgrado, porém, a disposição da lei, o condômino vende sua parte a estranhos, preterindo os demais consortes, como já se disse aqui, assiste a qualquer destes o direito de haver para si a parte vendida.

 

No caso em apreço, verifica-se que o título de posse fora expedido pela Administração anterior em 10.11.1991 ao requerido ..., conforme certidão constantes dos autos (fl, 16) e averbado em 25 de junho de 1993, no Registro de Imóveis (doc. fl. 12). Já as aquisições feitas pelo referido titular por simples contratos de compras e vendas ocorreram, respectivamente em 19 de janeiro de 1991 e 16 de abril de 1993, como se depreende dos documentos de fls. Trazidos ä colação pelo requerido ....

 

Segundo os contratos, os alienantes ... e ..., transferiram, sem o consenso dos outros consortes, as respectivas metades, dizendo ser possuidores e detentores da posse do imóvel. Já se disse que, não se permite ao condômino, sem prévio consenso dos demais, dar posse, uso e gozo de propriedade a estranhos, pois, é certo que, dentro da comunhão todos têm direitos iguais, que se estendem ä totalidade da coisa, cujo uso e gozo não podem ser fragmentados em favor de um estranho, sem a aquiescência de todos.

 

Pode-se afirmar, que, os instrumentos provenientes de atos e negócios jurídicos, sem o consentimento de outros compossuidores, não têm o condão para transferir direitos ou eficácia e validade, e, por isso mesmo traduzem atos nulos.

 

Na espécie, pressupõe-se a existência de vários outros herdeiros de M.J.J., simultaneamente titulares e possuidores do mesmo imóvel objeto de controvérsia, até prova em contrário, não obstante, a declaração dos aludidos alienantes de que são os únicos possuidores, já que todos se arvoram em legítimos possuidores.

 

Em relação à declaração de nulidade do ato administrativo, cabe, neste passo, sem embargo do exposto, que o princípio da legalidade exige que o ato seja conforme ä lei em sentido formal. Destarte, conclui-se que tal princípio, tendo em vista o sistema jurídico-positivo brasileiro, exige a fiel subsunção da ação administrativa ä lei, sendo defeso ä Administração Pública agir praeter legem ou contra legem, podendo por isso mesmo atuar apenas e tão somente secundum legem.

 

Realmente, a Administração Pública, o administrador, ao exercer suas atividades, apenas aplica a lei, realiza concretamente uma vontade geral. Só a lei pode definir e limitar o exercício dos direitos individuais (CF, art. 5º, II). Daí a máxima: “Todo poder é da lei, toda autoridade que se possa exercitar é a própria da lei. Apenas em nome da lei se pode impor obediência. Inexiste poder para a Administração Pública que não seja concedido pela lei: O que a lei não lhe concede expressamente, nega-lhe implicitamente. Por isso, seus agentes não dispõem de liberdade... “No dizer de Seabra Fagundes: “administrar é aplicar a lei de ofício” pelo que, acentua Hely Lopes Meirelles, “a eficácia de toda a atividade administrativa está condicionada ao atendimento da lei. Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal.”(grifei) (Direito Administrativo na Constituição de 1988 – Celso Antônio Bandeira de Mello).

 

Ainda, nessa linha de raciocínio preconiza o emérito jurista: “A ligação da Administração Pública com a lei é, portanto, extensa e inafastável, podendo ser resumida como segue:

 

a) Os atos da Administração não podem contrariar, implícita ou explicitamente, a letra, o espírito ou a finalidade da lei;

 

b) A administração não pode agir quando a lei não a autorize expressamente, pelo que nada pode exigir ou vedar aos particulares que não esteja previamente imposto nela.”

 

30. Com efeito, inexiste dúvida de que a sujeição do ato Administrativo ao princípio da legalidade é imperativo constitucional e por isso mesmo, a Administração Pública é sempre parte interessada na lisura de seus atos e poderá invalidá-los sponte própria, ou quando provocada a fazê-lo. Assim, tem o poder dever de invalidar seus atos viciados, porém, tem-se entendido que, quando a nulidade não decorrer de ato doloso, nem causar danos ao erário público ou afetar direitos ou interesses legítimos dos administrados, não está obrigada a autoridade competente, por falta de disposição legal expressa, a decretar a invalidade do ato viciado.

 

Dentro deste contexto fático e jurídico deveria a questão ser analisada, obviamente, sem embargo do entendimento desse julgador, se, porventura a autora possuísse titularidade exclusiva e, portanto se o mérito da causa pudesse ser apreciado e julgado, situação que ipso jure rende ensejo ã extinção do processo como se arguiu em preliminar.

 

Finalmente, consigne-se que, em que pesem à outorga do título ao segundo requerido e a pretensão deduzida pela autora na inicial, com a devida vênia, somente os titulares e herdeiros de M.J.J. detém a legitimidade para postularem a escritura definitiva nos termos da Lei n ..., e ..., nomeadamente tendo em vista os arts. 5º e 9º daquela e art. 1º desta última), e, portanto, para figurarem no polo ativo da lide.

 

Diante do Exposto e invocando-se os sábios suplementos desse julgador, espera-se e confia-se em que a matéria preliminar haverá de ser acolhida, decretando-se, em consequência, a extinção do processo, sem o julgamento do mérito, condenando-se a autora nas custas e honorários.

 

Protesta por todo o gênero de prova em direito permitido, inclusive depoimentos pessoais da autora e segundo requerido.

 

Termos em que pede e espera deferimento.

 

JUSTIÇA

 

Local e data

 

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Advogado

OAB/PR 00.000