Legalidade da Prisão

A legalidade da prisão no ordenamento jurídico brasileiro é um tema de suma importância, uma vez que envolve a restrição de um dos direitos fundamentais do indivíduo, a liberdade, prevista no artigo 5º, caput, da Constituição Federal. Para que essa privação de liberdade seja legítima, é necessário que ela ocorra em estrita observância aos princípios e garantias constitucionais, respeitando-se os limites estabelecidos pela legislação infraconstitucional.

Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

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1. Princípio da Legalidade

O primeiro aspecto a ser destacado é o princípio da legalidade, consagrado no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, segundo o qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Esse princípio exige que qualquer prisão só possa ocorrer se houver previsão legal que a justifique, sendo, portanto, um dos principais fundamentos da restrição da liberdade. Esse princípio é reafirmado no art. 5º, LXI, que estabelece que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.

Assim, a prisão somente pode ocorrer em duas hipóteses: flagrante delito ou por ordem judicial fundamentada. Essas situações são rigorosamente delimitadas pela legislação, a fim de evitar abusos e garantir o respeito aos direitos individuais.

2. Prisão em Flagrante

A prisão em flagrante está prevista no Decreto-lei 3.689/41, o Código de Processo Penal – CPP, em seu artigo 302, e ocorre quando alguém está cometendo uma infração penal, acaba de cometê-la, é perseguido logo após a prática do crime, ou é encontrado, logo depois, com objetos que fazem presumir ser ele o autor da infração. Trata-se de uma medida de urgência, permitida sem a necessidade de ordem judicial, justamente em razão da iminência do crime ou da sua consumação recente.

Art. 302 – Considera-se em flagrante delito quem:

I – está cometendo a infração penal;

II – acaba de cometê-la;

III – é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

IV – é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

No entanto, mesmo a prisão em flagrante deve respeitar as garantias constitucionais, como o direito à ampla defesa e ao contraditório, sendo submetida ao crivo do Poder Judiciário para que este decida sobre a manutenção ou relaxamento da prisão, conforme o artigo 310 do CPP. Essa análise judicial é essencial para verificar a legalidade e a necessidade da prisão.

Art. 310 – Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente:

I – relaxar a prisão ilegal; ou

II – converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou

III – conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.

§ 1º – Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato em qualquer das condições constantes dos incisos I, II ou III do caput do art. 23 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento obrigatório a todos os atos processuais, sob pena de revogação.

§ 2º – Se o juiz verificar que o agente é reincidente ou que integra organização criminosa armada ou milícia, ou que porta arma de fogo de uso restrito, deverá denegar a liberdade provisória, com ou sem medidas cautelares. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)

§ 3º – A autoridade que deu causa, sem motivação idônea, à não realização da audiência de custódia no prazo estabelecido no caput deste artigo responderá administrativa, civil e penalmente pela omissão. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)

§ 4º – Transcorridas 24 (vinte e quatro) horas após o decurso do prazo estabelecido no caput deste artigo, a não realização de audiência de custódia sem motivação idônea ensejará também a ilegalidade da prisão, a ser relaxada pela autoridade competente, sem prejuízo da possibilidade de imediata decretação de prisão preventiva.

3. Prisão Preventiva e Temporária

Além da prisão em flagrante, há também as hipóteses de prisão preventiva e prisão temporária, que decorrem de ordem judicial. A prisão preventiva é uma medida cautelar que visa garantir o regular andamento do processo penal, protegendo a ordem pública, a conveniência da instrução criminal ou a aplicação da lei penal. Ela está prevista no artigo 311 do CPP, e sua decretação depende da presença de elementos concretos que indiquem a necessidade da custódia cautelar.

Art. 311 – Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.

Por outro lado, a prisão temporária, regulamentada pela Lei 7.960/89, é uma medida restritiva de liberdade que pode ser decretada durante a fase de investigação criminal, com prazos específicos, para crimes graves e em situações em que a custódia seja necessária para a conclusão das investigações.

Ambas as prisões estão sujeitas a critérios estritos de necessidade e proporcionalidade, além de exigirem fundamentação adequada por parte da autoridade judicial, sob pena de nulidade.

4. Exceções Constitucionais

A Constituição Federal também prevê algumas questões sobre a regra geral de prisão apenas mediante flagrante ou ordem judicial. Entre essas abordagens, destaca-se a prisão civil por dívida, permitida apenas em relação ao desenvolvedor de alimentos, conforme o artigo 5º, inciso LXVII. Trata-se de uma medida excepcional, prevista como forma de coerção indireta para garantir o cumprimento das obrigações alimentares.

Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

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LXVII – não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;

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5. Direito ao Habeas Corpus

Ainda no âmbito das garantias constitucionais, o habeas corpus é um dos principais instrumentos de proteção contra prisões ilegais ou arbitrárias. Previsto no artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal, e regulamentado pelos arts. 647 e seguintes do CPP, o habeas corpus pode ser impetrado por qualquer pessoa para proteger a liberdade de locomoção ameaçada ou cerceada de forma ilegal.

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LXVIII – conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;

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Art. 647 – Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.

Art. 647-A. No âmbito de sua competência jurisdicional, qualquer autoridade judicial poderá expedir de ofício ordem de habeas corpus, individual ou coletivo, quando, no curso de qualquer processo judicial, verificar que, por violação ao ordenamento jurídico, alguém sofre ou se acha ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção.   

Parágrafo único. A ordem de habeas corpus poderá ser concedida de ofício pelo juiz ou pelo tribunal em processo de competência originária ou recursal, ainda que não conhecidos a ação ou o recurso em que veiculado o pedido de cessação de coação ilegal.

Conclusão

A prisão, enquanto medida extrema de restrição de liberdade, deve sempre estar em consonância com os princípios constitucionais e legais, especialmente o princípio da legalidade. Qualquer violação a esses parâmetros, seja em termos processuais ou substanciais, compromete a validade da prisão, sujeitando-a ao controle judicial e, eventualmente, à sua revogação. O respeito aos direitos fundamentais do indivíduo é a pedra angular do sistema de justiça, garantindo que a privação da liberdade ocorra de forma justa e dentro dos limites legais.

Em suma, a legalidade da prisão no Brasil depende de uma combinação de alterações legais, fundamentação judicial e respeito às garantias constitucionais, o que reforça o caráter democrático e garantidor do ordenamento jurídico brasileiro.

Equipe Editorial Vade Mecum Brasil

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