A Ação Declaratória de Filiação é um instrumento jurídico que visa reconhecer judicialmente a relação de parentesco entre pais e filhos, seja ela biológica ou socioafetiva. Este tipo de ação é fundamental para garantir os direitos pessoais e patrimoniais advindos da filiação, como o direito à identidade, ao nome, à convivência familiar e à herança, entre outros.
1. Fundamento Constitucional
A Constituição Federal, em seu artigo 227, estabelece a prioridade absoluta dos direitos da criança e do adolescente, inclusive no que se refere ao direito à convivência familiar e à proteção integral. O reconhecimento da filiação é, portanto, uma garantia de que esses direitos serão observados, permitindo à pessoa o exercício pleno de sua cidadania. Além disso, o artigo 5º, inciso XXXV, assegura o acesso ao Poder Judiciário para a defesa de qualquer direito lesado ou ameaçado.
Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
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XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
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Art. 227 – É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
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2. Aspectos Processuais
A Ação Declaratória de Filiação tramita no âmbito do Direito de Família, sendo uma ação de natureza personalíssima e, portanto, o reconhecimento ou contestação da filiação deve ser tratado com grande sensibilidade jurídica.
2.1. Legitimidade ativa e passiva
A legitimidade ativa para propor essa ação pode ser da própria pessoa que busca o reconhecimento da filiação (normalmente, o filho), da mãe ou do pai, ou ainda do Ministério Público, em casos em que o interesse de menores esteja envolvido. Já a legitimidade passiva recai sobre a pessoa que se pretende ver reconhecida como pai ou mãe.
2.2. Provas e o Princípio da Verdade Real
No âmbito dessa ação, o princípio da verdade real é preponderante. O juiz não está vinculado apenas às provas documentais apresentadas, como a certidão de nascimento ou exames de DNA, mas deve buscar todos os elementos necessários para alcançar a verdade sobre a filiação. O exame de DNA é amplamente aceito como meio de prova contundente em casos de filiação biológica, sendo, muitas vezes, o principal mecanismo para confirmar ou negar a relação de parentesco.
2.3. Rito Processual
A ação é proposta por meio de uma petição inicial, conforme as regras previstas no Código de Processo Civil (CPC). Com a citação da parte requerida, abre-se a oportunidade para contestação. O juiz poderá, então, determinar a realização de exames periciais, como o DNA, além de solicitar outras provas documentais e testemunhais. Em situações onde houver contestação por parte do réu, o processo pode ser mais longo, mas em casos de reconhecimento espontâneo, a sentença pode ser mais célere.
3. Filiação Biológica vs. Filiação Socioafetiva
O Código Civil brasileiro de 2002, em seu art. 1.596, estabelece que todos os filhos têm os mesmos direitos, independentemente da origem da filiação, reforçando o princípio da igualdade entre filhos biológicos e adotivos. Essa disposição estende-se também aos filhos socioafetivos, conceito cada vez mais presente nas decisões judiciais e reconhecido pela jurisprudência.
3.1. Filiação Socioafetiva
A filiação socioafetiva ocorre quando o vínculo parental é estabelecido por meio da convivência, do afeto e da assunção voluntária das funções parentais, mesmo que não haja laços biológicos. A jurisprudência tem se inclinado para o reconhecimento da socioafetividade como critério legítimo para declarar a filiação, em consonância com o princípio da afetividade, o qual prioriza as relações de cuidado e proteção estabelecidas no seio familiar.
4. Consequências Jurídicas da Ação Declaratória de Filiação
O reconhecimento da filiação traz uma série de efeitos legais, tanto no plano pessoal quanto no patrimonial:
4.1. Direitos Personalíssimos
Uma vez reconhecida a filiação, a pessoa tem direito ao nome do pai ou da mãe, bem como ao vínculo de parentesco com os demais familiares (avós, irmãos, etc.). Além disso, o reconhecimento da filiação proporciona ao filho o direito à convivência familiar, garantindo-lhe acesso ao patrimônio afetivo e psicológico da família.
4.2. Direitos Patrimoniais
O reconhecimento da filiação também assegura direitos patrimoniais, especialmente no que se refere ao direito à herança. O filho reconhecido por meio de uma ação declaratória de filiação terá os mesmos direitos sucessórios que os demais filhos, independentemente da forma de sua filiação.
5. Prescrição e Decadência
A ação declaratória de filiação não está sujeita à prescrição ou decadência, conforme entendimento consolidado pela Súmula 149 do STF: “É imprescritível a ação de investigação de paternidade, ainda que exercida só para fins de herança”. Isso significa que o direito ao reconhecimento da filiação pode ser pleiteado a qualquer tempo.
6. Jurisprudência
Os tribunais superiores têm reconhecido a importância de tratar a filiação sob o prisma do afeto e do melhor interesse da criança. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em diversas decisões, tem reiterado que o vínculo afetivo pode ser tão ou mais relevante que o biológico, assegurando assim o direito ao reconhecimento da filiação socioafetiva, mesmo nos casos em que haja provas contrárias de filiação biológica.
Conclusão
A Ação Declaratória de Filiação é um instrumento jurídico essencial para a garantia dos direitos fundamentais relacionados à identidade e à convivência familiar, que são protegidos constitucionalmente. Seja no reconhecimento da filiação biológica ou socioafetiva, a ação cumpre um papel central na consolidação do princípio da dignidade da pessoa humana, oferecendo ao filho o pleno exercício de seus direitos, tanto no campo pessoal quanto no patrimonial. A prevalência da verdade real e o respeito à afetividade familiar são os pilares que norteiam essa importante vertente do Direito de Família.
Equipe Editorial Vade Mecum Brasil
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