A cobrança indevida na justiça é um tema que abrange diversas situações em que um credor tenta cobrar uma dívida que não é devida, ou seja, uma dívida inexistente, já paga ou prescrita. Este tema é de grande relevância no direito do consumidor e no direito civil, pois toca diretamente em princípios fundamentais como o da boa-fé, da função social do contrato e da proteção ao consumidor.
1. Conceito de Cobrança Indevida
A cobrança indevida ocorre quando uma pessoa física ou jurídica, de forma injusta ou errônea, exige o pagamento de um valor que não lhe é devido. Essa situação pode acontecer por diversos motivos, como erro administrativo, má-fé do credor, duplicidade de cobranças ou interpretação equivocada de cláusulas contratuais. A cobrança indevida pode ser realizada de várias formas, incluindo o envio de boletos, cobranças telefônicas, ações judiciais ou inclusão do nome do devedor em cadastros de inadimplentes.
1.1. Hipóteses Comuns de Cobrança Indevida
– Cobrança de dívida já paga: ocorre nos casos em que o credor tenta cobrar uma dívida que já foi quitada pelo devedor, seja por erro de sistema ou má-fé;
– Cobrança de dívida inexistente: ocorre nos casos em que o credor tenta cobrar um valor de alguém que nunca contratou ou fez negócios com ele;
– Cobrança de valores prescritos: refere-se a cobranças de dívidas que já ultrapassaram o prazo legal para sua cobrança, o que extingue o direito do credor de exigir judicialmente o pagamento;
– Cobrança em duplicidade: situação onde o credor tenta cobrar mais de uma vez pelo mesmo débito.
2. Fundamentos Legais da Cobrança Indevida
A legislação brasileira prevê diversas proteções para o consumidor e o devedor em situações de cobrança indevida. As principais normas jurídicas envolvidas a Lei 10.406/02, o Código Civil, a Lei 13.105/15, o Código de Processo Civil – CPC e a Lei 8.078/00, o Código do Consumidor – CDC.
2.1. Código Civil
O Código Civil estabelece importantes diretrizes sobre cobranças e obrigações. O artigo 876, por exemplo, trata da repetição do indébito civil, que ocorre quando alguém paga o que não deve, podendo exigir a devolução do valor pago indevidamente.
Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.
2.2. Código de Processo Civil (CPC)
O CPC estabelece as regras processuais para a cobrança de dívidas e a defesa contra cobranças indevidas. Por exemplo, a ação de repetição de indébito pode ser utilizada para reaver valores pagos indevidamente. O CPC também prevê medidas de defesa contra execuções indevidas, como a exceção de pré-executividade, que permite ao devedor se defender sem a necessidade de garantir o juízo com depósito ou penhora.
2.3. Código de Defesa do Consumidor (CDC)
O CDC é a principal legislação no que se refere à proteção do consumidor contra práticas abusivas. No contexto de cobrança indevida, o artigo 42 do CDC estabelece que, na hipótese de cobrança indevida, o consumidor tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.
Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.
Além disso, o artigo 71 do CDC tipifica como crime a prática de coagir, de qualquer forma, o consumidor para exigir pagamento de dívida, configurando um meio de proteção contra abusos na cobrança de valores.
Art. 71. Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer:
Pena Detenção de três meses a um ano e multa.
3. Procedimentos Judiciais em Caso de Cobrança Indevida
Quando ocorre uma cobrança indevida, o devedor pode tomar diversas medidas para se proteger e buscar reparação.
3.1. Contestação da Dívida
Se a cobrança indevida for judicial, o devedor deve apresentar uma contestação no prazo legal, expondo os motivos pelos quais a dívida é indevida. Nesta fase, é essencial reunir provas que demonstrem o pagamento da dívida ou a sua inexistência, como comprovantes de pagamento, contratos, extratos bancários, entre outros documentos.
3.2. Ação de Consignação em Pagamento
Em situações em que há controvérsia sobre o valor devido, mas o devedor deseja evitar a mora, ele pode propor uma ação de consignação em pagamento, depositando em juízo o valor que entende ser devido. Esse procedimento protege o devedor contra a inadimplência enquanto a controvérsia é resolvida.
3.3. Ação de Repetição de Indébito
A ação de repetição de indébito é a via adequada para a restituição de valores pagos indevidamente. Nesta ação, o devedor requer a devolução do valor pago a maior, podendo pleitear a devolução em dobro, conforme previsto no artigo 42 do CDC, em casos de cobrança indevida por má-fé do credor.
3.4. Indenização por Danos Morais
Além da devolução dos valores cobrados indevidamente, o devedor pode pleitear indenização por danos morais. Isso é especialmente relevante quando a cobrança indevida resulta na inscrição do nome do devedor em cadastros de inadimplentes ou em situações constrangedoras. Os tribunais têm reconhecido que a inclusão indevida do nome do devedor em tais cadastros gera dano moral presumido, também chamado de “dano moral in re ipsa”.
4. Jurisprudência e Entendimento dos Tribunais
Os tribunais brasileiros têm adotado uma postura rigorosa contra práticas de cobrança indevida, especialmente quando envolvem consumidores. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui entendimento consolidado no sentido de que a cobrança indevida que resulte em inscrição irregular nos cadastros de inadimplentes gera dano moral presumido, independentemente da prova do prejuízo.
Em diversos casos, os tribunais têm aplicado a penalidade de devolução em dobro dos valores cobrados indevidamente, desde que comprovada a má-fé do credor. No entanto, quando se trata de erro justificável, os tribunais podem determinar a devolução simples dos valores.
Conclusão
A cobrança indevida é um problema sério que pode causar danos financeiros e morais ao devedor. A legislação brasileira fornece mecanismos robustos para a defesa do devedor, tanto no âmbito do direito civil quanto no direito do consumidor. É fundamental que os devedores conheçam seus direitos e saibam como se proteger judicialmente contra cobranças abusivas ou injustas, buscando sempre o amparo da justiça para evitar prejuízos indevidos.
Por fim, é sempre recomendável que, diante de uma cobrança que considere indevida, o devedor busque orientação jurídica para avaliar a melhor estratégia de defesa e garantir a proteção de seus direitos.
Equipe Editorial Vade Mecum Brasil
Publique seu artigo. Entre em contato