A Constituição Estadual, no âmbito do federalismo brasileiro, desempenha um papel fundamental na regulação da organização político-administrativa dos Estados, respeitando as diretrizes impostas pela Constituição Federal. Essa autonomia constitucional dos Estados decorre do princípio federativo, consagrado no artigo 1º da Constituição Federal, que estabelece o Brasil como uma República Federativa, formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e Distrito Federal.
Art. 1º – A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
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1. Princípios Fundamentais na Constituição Estadual
A Constituição Estadual segue, como norma de hierarquia inferior à Constituição Federal, os princípios fundamentais nela estabelecidos. Os Estados, ao exercerem sua competência constitucional para elaborar suas próprias Constituições, devem respeitar os limites impostos pelo artigo 25 da Constituição Federal, que dispõe:
Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.
§ 1º – São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição.
§ 2º – Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua regulamentação.
§ 3º – Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.
Entre os princípios fundamentais que devem ser observados, destacam-se:
– Princípio da Separação dos Poderes: articulado no artigo 2º da Constituição Federal, o princípio da separação dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) deve estar refletido nas Constituições Estaduais, garantindo a harmonia e independência entre os poderes locais;
Art. 2º – São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
– Princípio da Legalidade: a atuação do poder público estadual está vinculada ao princípio da legalidade, que impõe que todas as ações governamentais devem estar pautadas pela lei. Isso está em consonância com o artigo 5º, II, da Constituição Federal.
Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
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II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
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– Princípio da Igualdade: As Constituições Estaduais devem assegurar a isonomia de todos perante a lei, garantindo que não haja discriminação entre os cidadãos, conforme prevê o artigo 5º, caput, da Constituição Federal.
2. Competência Legislativa dos Estados
A competência legislativa dos Estados é delineada principalmente pelos artigos 24 e 25 da Constituição Federal. Em termos práticos, os Estados têm a competência para legislar de forma concorrente em matérias como direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico, urbanístico, entre outros. No caso da competência concorrente, o artigo 24 estabelece que a União deve legislar de forma geral e os Estados podem suplementar essa legislação de acordo com as peculiaridades regionais.
Art. 24 – Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
I – direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;
II – orçamento;
III – juntas comerciais;
IV – custas dos serviços forenses;
V – produção e consumo;
VI – florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;
VII – proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;
VIII – responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
IX – educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação;
X – criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas;
XI – procedimentos em matéria processual;
XII – previdência social, proteção e defesa da saúde
XIII – assistência jurídica e Defensoria pública;
XIV – proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência;
XV – proteção à infância e à juventude;
XVI – organização, garantias, direitos e deveres das polícias civis.
§ 1º – No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
§ 2º – A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.
§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades
§ 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.
Art. 25 – Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.
§ 1º – São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição.
§ 2º – Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua regulamentação.
§ 3º – Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.
Além disso, o artigo 25, parágrafo 1º, da Constituição Federal, confere aos Estados a competência residual, permitindo que legislem sobre qualquer matéria que não tenha sido atribuída à União ou aos Municípios.
Portanto, a Constituição Estadual deve prever as normas legislativas específicas, respeitando as competências concorrentes e suplementares, além de prever mecanismos de controle da constitucionalidade das leis estaduais.
3. Autonomia Financeira e Tributária
Um dos aspectos mais relevantes da Constituição Estadual é a previsão da autonomia financeira dos Estados, com base nos artigos 150 a 162 da Constituição Federal, que tratam do sistema tributário nacional. A Constituição Estadual, portanto, deve dispor sobre a competência tributária do Estado, regulamentando a criação, arrecadação e fiscalização de impostos, taxas e contribuições estaduais.
A capacidade de gerir os próprios recursos é essencial para o exercício da autonomia estadual. Os Estados têm competência para instituir impostos próprios, como o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), o IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores), e o ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos), conforme preconiza o artigo 155 da Constituição Federal.
4. Direitos Fundamentais e a Constituição Estadual
As Constituições Estaduais devem assegurar os direitos e garantias individuais e coletivos previstos na Constituição Federal, especialmente os constantes no artigo 5º. No entanto, as Constituições Estaduais podem inovar e ampliar os direitos fundamentais, desde que não contrariem os dispositivos federais. Isso significa que podem prever direitos mais abrangentes em áreas como saúde, educação, meio ambiente e direitos sociais.
Em relação aos direitos sociais, é comum que as Constituições Estaduais prevejam normas que ampliem o alcance das políticas públicas, reforçando a obrigação do Estado de assegurar direitos como saúde, educação e assistência social, em consonância com os princípios do artigo 6º da Constituição Federal.
5. Controle de Constitucionalidade Estadual
As Constituições Estaduais devem prever mecanismos de controle de constitucionalidade das leis estaduais e municipais que, porventura, contrariem a Constituição Estadual ou a Constituição Federal. Esse controle pode ser exercido tanto de forma difusa, no âmbito de qualquer processo judicial, quanto de forma concentrada, por meio de ação direta de inconstitucionalidade (ADI) proposta perante o Tribunal de Justiça do Estado.
O artigo 125 da Constituição Federal estabelece que os Estados podem criar, no âmbito de seus Tribunais de Justiça, uma representação de inconstitucionalidade, permitindo o controle concentrado das leis estaduais em face da Constituição Estadual.
Art. 125 – Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.
§ 1º – A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça.
§ 2º – Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão.
§ 3º – A lei estadual poderá criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça, a Justiça Militar estadual, constituída, em primeiro grau, pelos juízes de direito e pelos Conselhos de Justiça e, em segundo grau, pelo próprio Tribunal de Justiça, ou por Tribunal de Justiça Militar nos Estados em que o efetivo militar seja superior a vinte mil integrantes.
§ 4º – Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.
§ 5º – Compete aos juízes de direito do juízo militar processar e julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, cabendo ao Conselho de Justiça, sob a presidência de juiz de direito, processar e julgar os demais crimes militares.
§ 6º – O Tribunal de Justiça poderá funcionar descentralizadamente, constituindo Câmaras regionais, a fim de assegurar o pleno acesso do jurisdicionado à justiça em todas as fases do processo.
§ 7º – O Tribunal de Justiça instalará a justiça itinerante, com a realização de audiências e demais funções da atividade jurisdicional, nos limites territoriais da respectiva jurisdição, servindo-se de equipamentos públicos e comunitários.
6. Disposições sobre a Organização Administrativa e o Pacto Federativo
A Constituição Estadual também deve detalhar a organização administrativa do Estado, prevendo a estrutura dos órgãos e entes da administração pública, direta e indireta, em conformidade com os princípios da administração pública estabelecidos no artigo 37 da Constituição Federal, tais como a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Ademais, a Constituição Estadual deve regulamentar o exercício da cooperação federativa, prevendo a colaboração entre o Estado, a União e os Municípios para a execução de políticas públicas de interesse comum, em áreas como segurança pública, saúde e educação, conforme determina o artigo 23 da Constituição Federal.
Conclusão
A Constituição Estadual é um instrumento jurídico de fundamental importância para a autonomia dos Estados no Brasil. Sua elaboração deve observar rigorosamente os princípios e normas estabelecidos pela Constituição Federal, assegurando, ao mesmo tempo, a capacidade de o Estado regular suas próprias particularidades. A harmonia entre a Constituição Estadual e a Federal garante a unidade federativa, ao mesmo tempo em que respeita as diversidades regionais que caracterizam o federalismo brasileiro.
Equipe Editorial Vade Mecum Brasil
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