A dignidade da pessoa humana é um dos princípios fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro, previsto expressamente no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal. Ela é a base e o fim de toda a organização estatal, permeando os direitos e garantias fundamentais que protegem o indivíduo. Esse princípio, essencial ao Estado Democrático de Direito, garante que toda pessoa tenha seu valor intrínseco respeitado e protegido pelo ordenamento jurídico.
Art. 1º – A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
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III – a dignidade da pessoa humana;
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1. Conceito de Dignidade da Pessoa Humana
A dignidade da pessoa humana se refere ao reconhecimento do valor derivado e inalienável de cada ser humano, independentemente de sua origem, posição social, raça, cor, gênero ou crença. O ser humano deve ser tratado sempre como um fim em si mesmo, nunca como um meio para alcançar objetivos, o que reflete uma perspectiva ética e filosófica com raízes no pensamento kantiano. Esse princípio proíbe qualquer forma de instrumentalização do indivíduo.
2. Previsão Constitucional
A dignidade da pessoa humana está colocada no topo do sistema de valores da Constituição Federal, tanto como fundamento da República (artigo 1º, inciso III) quanto como vetor interpretativo dos direitos e garantias fundamentais. A Constituição Federal estabelece diversos direitos que têm como objetivo preservar essa dignidade, como o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (artigo 5º), bem como os direitos sociais (artigo 6º e seguintes), que garantam condições mínimas para uma existência digna, como saúde, educação, moradia e trabalho.
2.1. Dignidade como Base para os Direitos Fundamentais
O princípio da dignidade da pessoa humana funciona como fundamento dos direitos fundamentais. O Supremo Tribunal Federal (STF), em diversas decisões, tem reafirmado que a dignidade da pessoa humana é o “suporte axiológico” de toda a Constituição, funcionando como base sobre a qualidade dos direitos fundamentais que devem ser construídos e interpretados. A dignidade orienta a criação e aplicação das leis, além de ser uma referência para a interpretação de normas e para a avaliação da constitucionalidade de atos estatais.
3. Aspectos Jurídicos Relevantes
3.1. Direitos e Garantias Fundamentais
Os direitos fundamentais previstos na Constituição são expressões concretas da dignidade da pessoa humana. Eles protegem o indivíduo contra abusos do Estado e asseguram uma vida digna. Por exemplo, o direito à vida (artigo 5º, caput), que é a premissa básica para a proteção da dignidade, garante a existência física e psíquica das pessoas. O direito à igualdade (artigo 5º, inciso I) proíbe discriminações e reforça o respeito ao valor intrínseco de cada indivíduo.
Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
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3.2. Direitos Sociais
A dignidade da pessoa humana também é uma base para a efetivação dos direitos sociais, os quais garantem as condições mínimas permitidas para uma vida digna, tais como moradia, alimentação, saúde e educação. O Estado, nesse sentido, tem o dever de atuar de maneira positiva para garantir o pleno desenvolvimento das pessoas, garantindo-lhes acesso a bens e serviços essenciais.
3.3. Proibição de Tratamentos Desumanos e Degradantes
Um aspecto central da dignidade é a proibição de que o ser humano seja submetido a tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Esse princípio encontra-se refletido no artigo 5º, inciso III, da Constituição Federal, que proíbe expressamente a tortura e outros tratamentos degradantes. Essa busca garante que o ser humano não seja desprezado em sua integridade física e moral, seja por ação do Estado ou por particulares.
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III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
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3.4. Direito ao Mínimo Existencial
Outro aspecto fundamental relacionado à dignidade da pessoa humana é o direito ao mínimo existencial. Esse conceito, interpretado a partir dos direitos sociais previstos na Constituição, busca garantir a todas as pessoas um nível mínimo de condições materiais para uma vida digna. O STF, em diversas decisões, tem afirmado que o Estado deve garantir, por meio de políticas públicas, condições básicas de vida, como acesso à saúde, educação, moradia e alimentação.
4. Dignidade da Pessoa Humana no Âmbito Internacional
A proteção à dignidade da pessoa humana não é exclusividade do ordenamento jurídico brasileiro. Diversos tratados internacionais de direitos humanos, dos quais o Brasil é signatário, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, também consagrados a dignidade da pessoa humana como princípio central. Esses tratados internacionais reforçam o compromisso do Brasil com a proteção dos direitos humanos em nível global.
5. A Dignidade da Pessoa Humana como Limite ao Poder Estatal e Privado
A dignidade da pessoa humana também atua como limite à atuação do poder estatal e privado. O Estado, em todas as suas manifestações, deve respeitar esse princípio, sob pena de ter seus atos considerados inconstitucionais. Além disso, a dignidade da pessoa humana tem uma função limitada também nas relações entre particulares, principalmente em situações em que há um desequilíbrio de poder, como nas relações de trabalho, nas quais o empregador não pode submeter o empregado a condições indignas de trabalho.
6. Jurisprudência do STF
A investigação do STF reforçou a centralidade da dignidade da pessoa humana no ordenamento jurídico. Em diversos julgados, a Corte já se pronunciou no sentido de que a dignidade da pessoa humana não apenas orienta a interpretação constitucional, mas também serve como fundamento para a invalidação de normas infraconstitucionais que desrespeitem esse princípio.
Por exemplo, no RE 898.060, o STF afirmou que o direito ao esquecimento, quando exercido, deve ser ponderado com a dignidade da pessoa humana e a liberdade de expressão, demonstrando como esse princípio é uma ferramenta para harmonizar direitos fundamentais em conflito.
Conclusão
A dignidade da pessoa humana é o cerne do ordenamento jurídico brasileiro, irradiando-se por todas as normas constitucionais e infraconstitucionais. Mais do que um princípio abstrato, ela tem aplicação concreta na proteção dos direitos individuais e sociais, nas limitações do poder estatal e na orientação de atuação dos particulares. O respeito à dignidade da pessoa humana é essencial para a construção de uma sociedade justa, livre e solidária, conforme preconizado no preâmbulo da Constituição Federal. Portanto, trata-se de um princípio de natureza normativa, vinculante e universal, que sustenta o próprio Estado Democrático de Direito e a ordem constitucional brasileira.
Equipe Editorial Vade Mecum Brasil
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