1. O Direito como um Sistema de Normas
Nenhum centro do normativismo jurídico tem a ideia de que o direito é composto exclusivamente por normas. Kelsen defende que o direito deve ser analisado de maneira “pura”, isto é, livre de quaisquer elementos não jurídicos, como valores morais ou sociais. Para ele, o direito é um sistema fechado, onde as normas são interdependentes e se organizam hierarquicamente.
Segundo Kelsen, uma norma jurídica não é boa ou justa em si mesma; ela é válida simplesmente porque foi criada de acordo com as normas superiores que a fundamentaram. Essa ideia se desdobra em dois conceitos essenciais: a validade e a eficácia da norma. Uma norma é válida quando é criada de acordo com o procedimento normativo superior, e sua eficácia está relacionada à sua aplicação prática na sociedade. Contudo, para Kelsen, a validade de uma norma não depende de sua eficácia, embora ambas estejam interligadas.
2. A Pirâmide Normativa
Uma das contribuições mais famosas de Kelsen é o conceito de status normativo, representado pela chamada pirâmide de Kelsen. De acordo com esse modelo, o sistema jurídico é estruturado em camadas de normas, onde cada norma inferior retira sua validade da norma superior. No topo da pirâmide está a Constituição, que é a norma fundamental de um sistema jurídico.
Kelsen introduz o conceito de norma fundamental hipotética (Grundnorm), que está na base do sistema jurídico e serve como o último de validade exigido de todas as outras normas. Um Grundnorm não é positivado, ou seja, não está escrito em nenhum documento jurídico específico, mas é o fundamento lógico que legitima a criação de todas as normas subsequentes.
Esse modelo hierárquico é de extrema relevância para os sistemas jurídicos contemporâneos, como o sistema brasileiro, em que a Constituição ocupa o topo da pirâmide normativa, regulando a validade de todas as leis ordinárias e regulamentações.
3. A Separação entre Direito e Moral
Um dos pilares do normativismo jurídico é a distinção entre o direito e a moral. Kelsen é um forte defensor do positivismo jurídico, que argumenta que o direito deve ser treinado de maneira independente de qualquer influência moral ou ética. Ele entende que as normas jurídicas não precisam necessariamente ser justas; o que importa é que sejam válidos de acordo com o sistema jurídico.
Ao separar o direito da moral, Kelsen critica as teorias jusnaturalistas, que defendem a existência de um direito natural, baseado em princípios universais de justiça e moralidade. Para Kelsen, o direito positivo — aquele que é posto e válido dentro de um determinado sistema jurídico — é o único objeto de estudo da ciência jurídica. Ele reconhece que as normas jurídicas podem ter um conteúdo moral, mas isso não é essencial para sua validade como normas jurídicas.
4. A Função do Estado
No normativismo de Kelsen, o Estado é visto como um conjunto de normas jurídicas. Ele rejeitou a concepção tradicional de que o Estado é uma entidade metafísica ou uma personificação do poder político. Para Kelsen, o Estado é, essencialmente, o ordenamento jurídico vigente em determinado território. Assim, o Estado e o direito são inseparáveis.
Essa concepção normativista do Estado tem implicações práticas importantes, como na definição de soberania. Para Kelsen, a soberania não reside em uma entidade superior, mas não possui um sistema de normas próprio. Isso significa que o poder soberano é aquele que segue e aplica o direito, ao invés de estar acima dele.
5. O Tribunal Constitucional e o Controle de Constitucionalidade
Kelsen foi um dos principais defensores da criação de tribunais constitucionais, responsável por garantir que as normas infraconstitucionais estejam de acordo com a Constituição. Ele concebeu o controle de constitucionalidade como uma ferramenta indispensável para a manutenção da posição normativa e a proteção da Constituição como a norma suprema de um sistema jurídico.
No Brasil, esse conceito está presente por meio do Supremo Tribunal Federal (STF), que exerce o controle de constitucionalidade das leis. A ideia de um tribunal específico para essa tarefa deriva diretamente das reflexões de Kelsen sobre o papel da Constituição e da necessidade de um mecanismo de controle para garantir a coerência normativa.
6. Críticas ao Normativismo Jurídico
Embora a teoria de Kelsen tenha sido bastante influente, ela também foi alvo de críticas. Muitos críticos apontam que sua separação entre direito e moral leva a uma visão apenas formalista do direito, que ignora aspectos sociais, econômicos e políticos importantes. Além disso, a noção de uma norma hipotética fundamental é vista como uma solução insatisfatória para a questão da legitimidade última do direito.
Outros críticos, como os teóricos críticos do direito e os jusnaturalistas, argumentam que o direito não pode ser compreendido de maneira totalmente independente de valores morais e sociais, uma vez que o direito em si é uma construção social baseada na regular convivência humana em sociedade.
Conclusão
O normativismo jurídico de Hans Kelsen revolucionou a teoria do direito ao propor uma análise puramente normativa e ao separar o direito de outras esferas da vida social, como a moral e a política. Sua concepção do direito como um sistema hierárquico de normas, culminando na Constituição como norma fundamental, influenciou profundamente os sistemas jurídicos contemporâneos e a estrutura de tribunais constitucionais. No entanto, a sua teoria também gerou debates intensos, especialmente quanto à sua aparente indiferença às questões de justiça e moralidade no direito.
Kelsen continua sendo uma figura central no estudo da teoria do direito, e sua obra fornece um ponto de partida essencial para qualquer discussão sobre a natureza e a função do direito nos estados modernos.
Equipe Editorial Vade Mecum Brasil
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