A inelegibilidade superveniente é um instituto de extrema relevância no direito eleitoral brasileiro. Ela se relaciona com a impossibilidade de determinado indivíduo, inicialmente apto a concorrer a cargas eletivas, continuar com sua candidatura em razão de fatos ou fatos que surgem posteriormente ao registro de candidatura, ou seja, em momento posterior à formalização do pedido de inscrição junto à Justiça Eleitoral. Esse conceito se sustenta no equilíbrio entre a soberania popular e a observância de princípios éticos e legais necessários para garantir a legitimidade do processo eleitoral.
1. Base Constitucional e Normativa
A Constituição Federal estabelece o princípio democrático, ao garantir o direito de participação política por meio do voto e da possibilidade de se candidatar a cargos eletivos, conforme o artigo 14. No entanto, também preveem limitações ao exercício desse direito, com a intenção de resguardar a moralidade administrativa e a lisura no processo eleitoral.
A Lei Complementar 64/90, também conhecida como Lei de Inelegibilidades, regulamenta os casos de inelegibilidade, inclusive aqueles que ocorrerem de forma sobreveniente. Conforme o artigo 1º, inciso I, da referida norma, são enumeradas como causas que podem levar à inelegibilidade dos candidatos. Além disso, o artigo 15 da mesma Lei Complementar destaca a possibilidade de ocorrência de causas de inelegibilidade após o registro de candidatura, desde que esses fatos sejam incontroversos e extemporâneos à apresentação do registro.
Art. 15 – Transitada em julgado ou publicada a decisão proferida por órgão colegiado que declarar a inelegibilidade do candidato, ser-lhe-á negado registro, ou cancelado, se já tiver sido feito, ou declarado nulo o diploma, se já expedido.
Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput, independentemente da apresentação de recurso, deverá ser comunicada, de imediato, ao Ministério Público Eleitoral e ao órgão da Justiça Eleitoral competente para o registro de candidatura e expedição de diploma do réu.
A recente Lei da Ficha Limpa (Lei complementar 135/10) modificou a Lei Complementar 64/90 ao estabelecer novas hipóteses de inelegibilidade, reforçando o caráter ético do pleito eleitoral. A referida lei trouxe novas hipóteses de inelegibilidade, especialmente aquelas relacionadas a crimes que atentem contra a administração pública, crimes de corrupção, improbidade administrativa e outros que afetem o processo democrático.
2. Caracterização da Inelegibilidade Superveniente
A inelegibilidade superveniente ocorre quando, no curso do processo eleitoral, após o registo da candidatura, surge uma circunstância jurídica que impede o candidato de obrigação no pleito. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a investigação dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) têm enfrentado diversas situações de inelegibilidade superveniente, especialmente em cenários nos quais há condenações judiciais definitivas ou que envolvem decisões colegiadas, fato este previsto como uma das causas de inelegibilidade pela Lei da Ficha Limpa.
Exemplos comuns de inelegibilidade superveniente incluem:
– Condenação criminal em segunda instância: candidatos que sofrem condenações por crimes previstos na Lei da Ficha Limpa, como corrupção ou peculato, durante o curso do processo eleitoral, tornam-se inelegíveis supervenientemente,
– Cassação de mandato: se um candidato já ocupava carga eletiva e tem seu mandato cassado por decisão colegiada, mesmo que tenha obtido o registro de candidatura anteriormente, poderá ter sua candidatura impugnada por inelegibilidade superveniente.
– Rejeição de contas públicas: a exclusão de contas relativas ao exercício de funções públicas também pode gerar inelegibilidade superveniente, conforme previsto na legislação eleitoral.
3. Efeitos da Inelegibilidade Superveniente no Processo Eleitoral
Quando verificada a ocorrência de inelegibilidade superveniente, o candidato poderá ter sua candidatura impugnada, mesmo que já tenha iniciado sua campanha e, em alguns casos, mesmo que tenha sido eleito. A investigação do TSE confirmou que, após a constatação da inelegibilidade, os votos obtidos pelo candidato são anulados. Se essa anulação comprometer o resultado do pleito, novas eleições poderão ser convocadas, conforme o princípio da soberania popular, previsto no artigo 224 da Lei 4.737/65, o Código Eleitoral
.Art. 224 – Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do país nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias.
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A decisão que declara a inelegibilidade superveniente pode ser proferida em diferentes momentos do processo eleitoral, desde a fase de campanha até a diplomação, ou mesmo durante o exercício do mandato, ou que demonstra a gravidade do instituto e sua conexão com o princípio da moralidade pública, previsto no art. 37 da Constituição Federal.
4. Princípios Envolvidos
A inelegibilidade superveniente se fundamenta em diversos princípios constitucionais e infraconstitucionais. O principal deles é o princípio da moralidade administrativa, presente no artigo 37 da Constituição Federal, que exige probidade e ética dos ocupantes de cargas públicas. Esse princípio se reflete também no campo eleitoral, ao exigir que os candidatos estejam em conformidade com as normas que regem o processo eleitoral e a administração pública.
Art. 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
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Outro princípio relevante é o princípio da isonomia, o que garante que todos os candidatos concorram em condições iguais. A inelegibilidade superveniente, ao remover candidatos que foram alvo de condenações ou outros fatos impeditivos, resguarda o equilíbrio na disputa eleitoral.
Por fim, o princípio da segurança jurídica também se destaca, pois, embora a inelegibilidade superveniente afete a candidatura de um postulante, as decisões judiciais devem ser bem fundamentadas, a fim de não comprometerem o andamento do processo eleitoral de forma desarrazoada ou intempestiva.
Conclusão
A inelegibilidade superveniente é um mecanismo jurídico essencial para a proteção da integridade e da moralidade do processo eleitoral brasileiro. Ao permitir que os candidatos inicialmente elegíveis possam ser impedidos de concorrer ou assumir encargos públicos por fatos que surjam após o registro da candidatura, o instituto garante que os processos eleitorais ocorram em conformidade com os princípios constitucionais, em especial a moralidade pública, a isonomia entre os candidatos e o respeito à soberania popular. Assim, para garantir que apenas os candidatos aptos possam ser eleitos, a inelegibilidade superveniente cumpre o papel de preservar a legitimidade democrática do pleito.
Equipe Editorial Vade Mecum Brasil
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