O conceito de “pureza” não está no centro da teoria kelseniana. Kelsen defende que o direito deve ser treinado de forma pura, ou seja, sem misturas com outros elementos extrajurídicos. Para ele, o direito deve ser entendido como um sistema de normas que regula o comportamento humano, e não como um reflexo de questões morais, sociológicas ou econômicas. Essa distinção é crucial para garantir a objetividade e a cientificidade do direito, afastando qualquer valor subjetivo que possa influenciar sua interpretação.
Kelsen rejeita, portanto, a ideia de que o direito tenha que ser necessariamente justo ou moral. Para ele, a validade de uma norma não depende de seu conteúdo, mas de sua inserção dentro do sistema normativo, cuja norma fundamental é a Grundnorm.
1. Uma Norma Fundamental (Grundnorm)
Um dos conceitos centrais da Teoria Pura do Direito é o de norma fundamental (Grundnorm). Segundo Kelsen, toda ordem jurídica é estruturada hierarquicamente, e cada norma deve ter sua validade à norma imediatamente superior. Contudo, para evitar uma regressão infinita, deve-se postular uma norma que se baseie no topo dessa posição e que não derive sua validade de nenhuma outra norma, mas sim de um lógico pressuposto. Essa é uma norma fundamental, que sustenta todo o sistema jurídico.
A Grundnorm é um conceito hipotético, ela não é uma norma escrita ou formal, mas um pressuposto de validade que legitima toda a ordem jurídica. Através dessa ideia, Kelsen oferece uma resposta à questão da origem da validade das normas sem exigir a fundamentos metafísicos ou morais.
2. A Estrutura Hierárquica do Ordenamento Jurídico
A teoria de Kelsen apresenta o direito como um sistema hierarquizado de normas, no qual as normas de grau inferior devem ser criadas e aplicadas em conformidade com as normas de grau superior. Nenhum topo da pirâmide normativa está na Constituição, que se fundamenta na norma fundamental. Abaixo da Constituição, estão as leis ordinárias, os decretos e regulamentações, até às decisões judiciais e atos administrativos.
Esse modelo hierárquico é conhecido como pirâmide de Kelsen e permite que o sistema jurídico funcione de forma consistente e unificada. Cada norma adquire validade com base em uma norma superior, e essa estrutura assegura a legitimidade e a eficácia da ordem jurídica.
3. O Direito como Ciência Normativa
Para Kelsen, o direito é uma ciência normativa, e seu objeto de estudo são as normas jurídicas, entendidas como prescrições de condutas que se expressam através de mandamentos, proibições ou permissões. A norma jurídica, segundo o autor, não se preocupa com o “ser” (Sein), mas com o “dever ser” (Sollen). A norma é um comando que indica como os indivíduos devem se comportar, independentemente de suas preferências pessoais ou de fatores sociais.
O positivismo jurídico de Kelsen, portanto, desconsidera as motivações políticas, econômicas ou morais por trás da criação do direito. Ele se interessa apenas pela validade formal das normas, ou seja, se elas foram criadas e aplicadas de acordo com os procedimentos estabelecidos pelas normas superiores.
4. O Positivismo Jurídico e a Separação entre Direito e Moral
Kelsen defende uma separação rigorosa entre direito e moral. Enquanto a moral ocupa o valor e a justiça das normas, o direito se preocupa com sua validade formal e eficácia dentro de um sistema normativo. Para Kelsen, a ideia de justiça é uma questão subjetiva e variável, o que torna impossível sua conciliação com o direito, que deve ser objetivo e aplicável a todos de maneira uniforme.
Embora reconheça que muitas vezes as normas jurídicas reflitam valores morais, Kelsen argumenta que a validade do direito não depende desses valores. O que importa é que uma norma foi criada de acordo com o procedimento correto, previsto pela ordem jurídica, e não se ela é justa ou moralmente correta.
5. Críticas à Teoria Pura do Direito
A Teoria Pura do Direito de Kelsen foi amplamente debatida e criticada. Alguns dos principais pontos de crítica concentram-se na aparente abstração excessiva de sua proposta. Os críticos argumentam que o direito, na prática, está necessariamente ligado a aspectos sociais, morais e políticos, e que é difícil conceber um sistema jurídico totalmente separado desses elementos.
Outro ponto de crítica refere-se à norma fundamental, que muitos compartilham um conceito metafísico ou fictício. Para alguns juristas, o direito não pode ser fundado em um conceito puramente hipotético e abstrato como um Grundnorm, pois isso enfraquece a pretensão de cientificidade que Kelsen procura defender.
Conclusão
A Teoria Pura do Direito é uma das contribuições mais significativas ao campo da filosofia jurídica e ao positivismo jurídico. Ao propor a “purificação” do estudo do direito, Hans Kelsen criou um modelo que busca ser científico, objetivo e livre de influências externas ao direito. A sua proposta de uma norma fundamental e de um sistema hierarquizado de normas teve grande impacto na forma como se concebe o direito nos sistemas contemporâneos, especialmente nas discussões sobre a validade das normas e o papel das Constituições.
Contudo, a teoria também teve críticas significativas, especialmente por sua desconexão da realidade social e política na qual o direito se insere, o que levou muitos teóricos a buscar alternativas ou complementações à proposta de Kelsen. Mesmo assim, seu trabalho permanece essencial para a compreensão do direito como um sistema normativo independente e racional.
Equipe Editorial Vade Mecum Brasil
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