A advocacia Pro Bono é uma prática cada vez mais relevante no cenário jurídico brasileiro. Consiste na prestação de serviços jurídicos gratuitos por advogados a pessoas ou organizações sem recursos financeiros suficientes para arcar com os custos de defesa de seus direitos. Sua importância é reconhecida tanto no âmbito da assistência social quanto na promoção do acesso à justiça, princípios fundamentais no Estado Democrático de Direito, consagrados pela Constituição Federal.
A prática Pro Bono não deve ser confundida com a assistência jurídica gratuita promovida pelo Estado, mas sim como uma atuação complementar, sendo regulada pelas normas específicas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pelos princípios éticos que norteiam a atuação da advocacia. Este texto visa analisar os principais aspectos jurídicos, fundamentos legais e éticos da advocacia Pro Bono no Brasil.
1. Fundamentação Jurídica
1.1 Constituição Federal
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LXXIV, dispõe que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiências de recursos”. Embora essa previsão seja direcionada ao dever do Estado, ela consagra o direito fundamental de acesso à justiça, ao qual a advocacia Pro Bono busca contribuir.
Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
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LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;
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1.2. Estatuto da Advocacia e da OAB
A Lei 8.906/94, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e da OAB, também reflete a função social do advogado e a importância de sua atuação Pro Bono. De acordo com o artigo 2º do Estatuto, o advogado é “indispensável à administração da justiça” e deve atuar em prol da “defesa dos direitos fundamentais do homem e da realização de uma ordem jurídica justa”.
Art. 2º – O advogado é indispensável à administração da justiça.
§ 1º – No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social.
§ 2º – No processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público.
§ 2º-A. No processo administrativo, o advogado contribui com a postulação de decisão favorável ao seu constituinte, e os seus atos constituem múnus público.
§ 3º – No exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos limites desta lei.
Além disso, o artigo 44, inciso I, do Estatuto da OAB destaca que a Ordem dos Advogados tem entre suas finalidades a defesa da Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático de Direito e a justiça social, objetivos que a advocacia Pro Bono claramente favorece.
Art. 44 – A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade:
I – defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas;
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1.3. Código de Ética e Disciplina da OAB
O Código de Ética e Disciplina da OAB, reformulado pela Resolução 02/2015, dedica o artigo 30 à advocacia Pro Bono. De acordo com o dispositivo referido:
Art. 30 – No exercício da advocacia pro bono, e ao atuar como defensor nomeado, conveniado ou dativo, o advogado empregará o zelo e a dedicação habituais, de forma que a parte por ele assistida se sinta amparada e confie no seu patrocínio.
§ 1º – Considera-se advocacia pro bono a prestação gratuita, eventual e voluntária de serviços jurídicos em favor de instituições sociais sem fins econômicos e aos seus assistidos, sempre que os beneficiários não dispuserem de recursos para a contratação de profissional.
§ 2º – A advocacia pro bono pode ser exercida em favor de pessoas naturais que, igualmente, não dispuserem de recursos para, sem prejuízo do próprio sustento, contratar advogado.
§ 3º – A advocacia pro bono não pode ser utilizada para fins político-partidários ou eleitorais, nem beneficiar instituições que visem a tais objetivos, ou como instrumento de publicidade para captação de clientela.
A norma estabelece, ainda, algumas balizas éticas para a prática, tais como o caráter voluntário e gratuito do serviço, a necessidade de comprovação da carência econômica do beneficiário e a aplicação de práticas que resultem em exploração de imagem ou promoção pessoal do advogado.
1.4. Regulamentação pela OAB
A regulamentação específica da advocacia Pro Bono no Brasil foi instituída pelo Provimento 166/2015 do Conselho Federal da OAB. Esse dispositivo estabelece diretrizes claras para a prática da advocacia Pro Bono, ressaltando sua importância social e regulando aspectos como a definição de objetivos (pessoas físicas ou jurídicas sem fins lucrativos), a exclusão de questões que envolvem interesses empresariais e a atenção de captação de clientela por meio da prática.
2. Aspectos Éticos
A advocacia Pro Bono deve estar sempre em consonância com os princípios éticos que regem a profissão. A prestação de serviços voluntários não pode ser utilizada como forma de captação ilícita de clientela, nem deve ter fins promocionais para o advogado. A atuação Pro Bono é uma extensão do dever ético de defesa dos direitos fundamentais e de garantia do acesso à justiça, sendo uma manifestação da responsabilidade social da advocacia.
Além disso, a atuação Pro Bono exige que o advogado observe o sigilo profissional e a diligência que sejam aplicáveis a qualquer outro cliente. O Código de Ética e Disciplina da OAB também veda expressamente o uso da prática para fins de mercantilização da profissão ou promoção pessoal do advogado.
3. Importância Social
O papel social da advocacia Pro Bono é inegável, especialmente em um país como o Brasil, onde as desigualdades econômicas e sociais limitam o acesso à justiça de uma grande parcela da população. A atuação Pro Bono complementa o sistema público de assistência jurídica, suprindo lacunas que muitas vezes não são preenchidas pela Defensoria Pública ou outros meios de assistência estatal.
Organizações não governamentais (ONGs), entidades filantrópicas e movimentos sociais também são grandes beneficiários dessa modalidade de advocacia, especialmente quando se tratam de demandas de interesse coletivo, como questões ambientais, direitos humanos e defesa de minorias.
Conclusão
A advocacia Pro Bono é uma manifestação do compromisso social da advocacia com a promoção da justiça e da igualdade. Ao permitir que advogados atuem de forma voluntária e gratuita em prol daqueles que não têm condições de pagar por serviços jurídicos, ela concretiza o princípio constitucional do acesso à justiça, amplia a defesa dos direitos fundamentais e fortalece a democracia.
A prática, contudo, exige respeito às normas e diretrizes éticas, de modo que o advogado que atua Pro Bono não se desvirtue de sua missão essencial: o compromisso com a dignidade da pessoa humana e a construção de uma sociedade mais justa. O papel regulador da OAB nesse contexto é essencial para garantir que a advocacia Pro Bono continue a ser uma prática que contribui eficazmente para o fortalecimento do Estado de Direito e a promoção da justiça social no Brasil.
Equipe Editorial Vade Mecum Brasil
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