Colaborador - Ivan Horcaio

28-02-2020 14h18

Aspectos Iniciais do Processo Civil (Parte 2)

1.1. Norma processual

O Estado é o responsável pela determinação das normas jurídicas que estabelecem como deve ser a conduta das pessoas em sociedade. Tais normas podem: (i) definir direitos e obrigações; (ii) definir o modo de exercício desses direitos.

As primeiras constituem aquilo que convencionamos chamar de normas jurídicas primárias ou materiais. Elas fornecem o critério a ser observado no julgamento de um conflito de interesses. Aplicando-as, o juiz determina a prevalência da pretensão do demandante ou da resistência do demandado, compondo, desse modo, a lide que envolve as partes.

As segundas, de caráter instrumental, compõem as normas jurídicas secundárias ou processuais, provenientes do direito público, conforme já ressaltado. Elas determinam a técnica a ser utilizada no exame do conflito de interesses, disciplinando a participação dos sujeitos do processo (principalmente as partes e o juiz) na construção do procedimento necessário à composição jurisdicional da lide.

A eficácia espacial das normas processuais é determinada pelo princípio da territorialidade, conforme expressa o artigo 1613. O princípio, com fundamento na soberania nacional, determina que a lei processual pátria deve ser aplicada em todo o território brasileiro (não sendo proibida a aplicação da lei processual brasileira fora dos limites nacionais), ficando excluída a possibilidade de aplicação de normas processuais estrangeiras diretamente pelo juiz nacional.

Devido ao sistema federativo por nós adotado, compete privativamente à União legislar sobre matéria processual, conforme determina o artigo 22, inciso I, da Constituição Federal. Não ocorre, pois, como nos EUA, em que as leis processuais divergem de um Estado para outro. Não obstante, as normas procedimentais estaduais brasileiras podem variar de Estado para Estado, uma vez que o artigo 24, inciso XI, da Constituição federal  outorgou competência concorrente à União, aos Estados--membros e ao Distrito Federal para legislar sobre “procedimentos em matéria processual”.

Além disso, ao lado das normas processuais (artigo 22, inciso I, da Constituição Federal) e das procedimentais (art. 24, XI, da Constituição Federal), existem as normas de organização judiciária, que também podem ser editadas concorrentemente pela União, pelos Estados e pelo Distrito Federal (Constituição Federal, artigos 92 e seguintes, merecendo especial destaque os artigos. 96, inciso I, alínea a, e 125, parágrafo 1°).

No tocante à eficácia temporal das normas, aplica-se o art. 1.046 do Código de Processo Civil, segundo o qual a lei processual tem aplicação imediata, alcançando os atos
a serem realizados e sendo vedada a atribuição de efeito retroativo. No que tange ao início de sua vigência, no entanto, de acordo com o artigo 1º da Lei de Introdução às Normas de Direito, a lei processual começa a vigorar quarenta e cinco dias após a sua publicação, salvo disposição em contrário (na prática, é comum que se estabeleça a vigência imediata), respeitando-se, todavia, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, em conformidade com o artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal e artigo 6°, da Lei de Introdução às Normas de Direito - LIND. 

Por fim, quanto à forma de interpretação da norma processual, ou seja, determinar seu conteúdo e alcance, há diversos métodos de interpretação da norma jurídica que também podem ser estendidos à norma processual.

Assim, de maneira resumida, podemos classificá-los em: 

a) literal ou gramatical, que, como o próprio nome já diz, leva em consideração o significado literal das palavras que formam a norma; 
b) sistemático, segundo o qual a norma é interpretada em conformidade com as demais regras do ordenamento jurídico, que devem compor um sistema lógico e coerente que se estabelece a partir da Constituição; 
c) histórico, em que a norma é interpretada em consonância com os seus antecedentes históricos, resgatando as causas que a determinaram; 
d) teleológico, que objetiva buscar o fim social da norma, a mens legis, ou seja, diante de duas interpretações possíveis, o intérprete deve optar por aquela que melhor atenda às necessidades da sociedade (artigo 5º, LIND);
e) comparativo, que se baseia na comparação com os ordenamentos estrangeiros, buscando no direito comparado subsídios para a interpretação da norma.

Conforme o resultado alcançado, a atividade interpretativa pode ser classificada em:

a) declarativa, atribuindo à norma o significado de sua expressão literal; 
b) restritiva, limitando a aplicação da lei a um âmbito mais estrito, quando o legislador disse mais do que pretendia; 
c) extensiva, conferindo-se uma interpretação mais ampla que a obtida pelo seu teor literal, hipótese em que o legislador expressou menos do que pretendia; 
d) ab-rogante, quando conclui pela inaplicabilidade da norma, em razão de incompatibilidade absoluta com outra regra ou princípio geral do ordenamento.

Acerca dos meios de integração, destacamos que, com o advento do Código Francês de Napoleão, em 1804, institui-se a importante regra de que o magistrado não mais poderia se eximir de aplicar o direito, sob o fundamento de lacuna na lei. Tal norma foi seguida pela maioria dos códigos modernos, sendo também positivada em nosso ordenamento.

Dessa forma, o artigo 140 do Código de Processo Civil, preceitua a vedação ao non liquet, isto é, proíbe que o juiz alegue lacuna legal como fator de impedimento à prolação
da decisão. Para tanto, há de se valer dos meios legais de solução de lacunas, previstos no artigo 4º, LIND, a saber: a analogia (utiliza-se de regra jurídica prevista para hipótese semelhante), os costumes (que são fontes da lei) e os princípios gerais do Direito (princípios decorrentes do próprio ordenamento jurídico).

Ressalte-se, por fim, que interpretação e integração têm funções comunicantes e complementares, voltadas à revelação do direito. Ambas possuem caráter criador e permitem o contato direto entre as regras de direito e a vida social.


Aspectos Iniciais do Processo Civil (Parte 1)

Direitos Processuais Fundamentais 

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