Colaborador - Ivan Horcaio

24-02-2020 18h02

Direitos Humanos - Conceitos (Parte 1)

Os direitos fundamentais, por essência, se inserem numa esfera de proteção distinta, especial, cara, e por essa razão são tratados pela Constituição de forma peculiar. O artigo 60, no seu parágrafo 4º, estabelece as chamadas cláusulas pétreas, que são as matérias protegidas contra emendas que proponham sua abolição. A constituição determina que não sejam abolidas a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos Poderes, e os direitos e garantias individuais.

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
.............................
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
...............................
IV - os direitos e garantias individuais.

O texto do inciso IV do parágrafo 4º do artigo 60, como visto, veda emendas tendentes a abolir “direitos e garantias individuais”, mas a doutrina predominante não adota a interpretação literal segundo a qual seriam protegidas apenas as normas referentes aos direitos individuais previstos no artigo 5º da Constituição, O Supremo Tribunal Federal – STF, já se posicionou a esse respeito, afirmando que há cláusulas pétreas na Constituição que não são previstas no artigo 5º, de modo que a Constituição brasileira estende a todos os direitos fundamentais a proteção contra emendas que busquem restringir ou abolir tais direitos.

1.1. Direitos Humanos e Direitos Fundamentais

As diferenças entre os termos “direitos humanos” e “direitos fundamentais” nem sempre são precisamente tratadas pela doutrina, afinal, ambos cuidam de proteção essencial à pessoa, e trata-se de dimensões sempre mais inter-relacionadas.

Segundo a lição de Ingo Sarlet, os conceitos possuem diferenças que se evidenciam quando considerados os aspectos espacial e de aplicação e proteção dos respectivos direitos. Os direitos fundamentais definem aqueles direitos do ser humano “reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado” enquanto o termo direitos humanos se estabelece no plano internacional por meio das convenções e tratados. Ainda que os países inseridos na comunidade internacional assinem progressivamente mais tratados de direitos humanos e os incorporem as suas ordens jurídicas, as formas de efetivá-los nem sempre são claras como costumam ser em relação aos direitos tratados como fundamentais no plano constitucional.

Neste mesmo sentido, José Afonso da Silva atribui ao termo direitos fundamentais
o papel de designar, “no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele [direito positivo] concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual para todas as pessoas.”

1.2. Classificação dos Direitos Humanos

Uma primeira forma de classificar os direitos humanos é a distinção que leva em conta os momentos históricos em que se afirmaram como direitos através de ondas evolucionais. Trata-se de uma compreensão dos direitos que os observa como produtos históricos: “os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.”
Segundo essa visão histórica apresentada por Norberto Bobbio, podemos classificar os direitos segundo gerações ou dimensões:

1) Primeira geração: são os direitos voltados à preservação das liberdades fundamentais e os direitos individuais e políticos clássicos, tais como religião, locomoção, pensamento e opinião, voto, etc. A primeira geração de direitos consolidou-se nos documentos liberais do final do século XVIII, como a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América (1776) e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, na França (1789);
2) Segunda geração: são os direitos voltados às prestações sociais básicas, como educação, saúde, oportunidades de trabalho, moradia, transporte, previdência social, etc., bem como os direitos econômicos e culturais. Consolidam-se no período do Estado Social do pós-guerra (1914-1918), que deixa de ser absenteísta para assumir postura ativa, de quem são exigidas medidas de implementação de direitos. Marcaram o momento de ascensão histórica dos direitos de segunda geração a Constituição do México de 1917, que foi a primeira a prever proteção aos direitos sociais, a Constituição alemã de 1919, denominada Constituição de Weimar, que consagrou a presença dos direitos sociais no plano constitucional e a Revolução Russa de outubro de 1917, que impôs o governo socialista soviético;
3) Terceira geração: são os direitos relacionados ao desenvolvimento, meio ambiente equilibrado e paz. Segundo a lição de Bobbio, “constituem uma categoria, para dizer a verdade, ainda excessivamente heterogênea e vaga, o que nos impede de compreender do que efetivamente se trata. O mais importante deles é o reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direitos de viver num ambiente não poluído.”

Vale ressaltar que o termo “geração” não é utilizado neste contexto como representação de um grupo geracional que passa a ser superado por outro. O conceito de geração deve ser compreendido em comunhão com a ideia de acumulação, de modo que os direitos conquistados em um dados momento histórico se somem à geração seguinte de direitos, e assim sucessivamente. 

Outro propósito do esclarecimento do conceito de geração é evitar o ranqueamento de um rol de direitos sobre outro, de modo a afirmar a indivisibilidade dos direitos humanos. O debate sobre a hierarquia entre as gerações de direitos marcou os anos do pós-II Guerra Mundial. A Guerra marcou a absoluta ruptura dos Estados com os direitos humanos, de modo que quando foram encerrados os combates, a comunidade internacional decidiu pela criação da Organização das Nações Unidas (1945) e adotou a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) como símbolos desse movimento de reconstrução moral da sociedade mundial.

Após a elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos passou--se a discussão de dois dos mais importantes instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos: o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (ambos criados em 1966, vigentes a partir de 1976). Durante o processo de construção dos pactos havia duas fortes correntes, representadas pelos dois blocos políticos existentes no período da Guerra Fria, cada qual buscando a prevalência de um dos dois grupos de direito sobre os demais. A solução encontrada foi a elaboração de dois documentos distintos ao invés de um único que englobasse todos os direitos de natureza civil, política, social, econômica e cultural.
 


Direitos Humanos - Conceitos (Parte 2)

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