Colaborador - Ivan Horcaio

10-08-2020 20h28

Dos Direitos do Advogado (Parte 3)

Art. 7° - ..........................

II - a inviolabilidade de seu escritório profissional ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, telefónica e telemática desde que relativas ao exercício da advocacia; 

Para que seja possível o cumprimento do mandamento constitucional do exercício de uma advocacia livre e plena, a legislação ordinária brasileira assegurou ao advogado diversas prerrogativas e direitos, que perpassam todo o Estatuto, a fim de instrumentalizá-las

A inviolabilidade do advogado, aqui considerados o seu escritório ou local de atuação, bem como de seus instrumentos de trabalho e meios de comunicação, constitui prerrogativa fundamental, determinante para o efetivo exercício de seu mister. Isso porque visa salvaguardar informações de clientes e preservar a confiabilidade e segurança que deve permear não só essa relação, mas toda a sociedade, à luz dos direitos e garantias fundamentais encartadas na Constituição Federal, em seu artigo 5 °, incisos X, XII e XIII. 

Veja-se que ao advogado é imposto o dever de sigilo sobre as informações obtidas em razão de seu exercício profissional. Trata-se de um dever a ele inerente, que transcende a relação contratual instituída entre cliente e advogado e assume natureza pública, visto que atrelado a atribuição constitucional de mola propulsora de realização e administração da Justiça, mormente para assegurar a plenitude do direito de defesa. E, não se esgota ai: está enlaçado ao direito à intimidade, vida privada, honra e imagem de todos aqueles que o constituíram como defensor.

O dever de sigilo não está condicionado à constância da prestação do serviço. Ao contrário, prolonga-se no tempo, indefinidamente, assim como prolonga-se no espaço: o que se ouviu, na condição de advogado (o que não se limita as conversas com cliente ou constituinte), deve ser preservado.

Essa confidencialidade, portanto, é um dever deontológico fundamental que, conforme regramento do artigo 26 do Código de Ética e Disciplina da OAB, deve ser preservada inclusive em depoimento judicial, no que toca as informações obtidas em razão de seu oficio. Não constitui, portanto, somente o direito facultado no inciso XIX deste artigo, mas o dever de recusar depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou tenha sido advogado, mesmo que autorizado ou solicitado pelo constituinte. Tal é a importância do sigilo que a sua quebra somente é possível quando amparada nas causas justificadoras dos artigos 25 e 27 do Código de Ética e Disciplina da OAB, sob pena de infringir o contido no artigo 34, inciso VII do Estatuto. 

Por obvio, é inócuo exigir que o advogado seja guardião das confidencias, informações e documentos que pertencem aos seus clientes sem que o espaço em que exerce o seu oficio seja preservado. É, por isso, a inviolabilidade do espaço destinado ao exercício da advocacia, bem como dos instrumentos de trabalho, arquivos, dados informatizados, correspondências e comunicação do advogado, a prerrogativa decisiva para o exercício livre da advocacia.

A rega é a não entrada, seja no escritório ou no espaço destinado ao exercício da advocacia. E, se o legislador não restringiu a inviolabilidade ao local destinado específica e permanentemente a essa finalidade, ao revés disso, incluiu o 'local de trabalho' na norma protetora, resta que a inviolabilidade abarca, também, os departamentos jurídicos de órgãos públicos e empresas ou quaisquer locais utilizados para esse fim. Ademais. inclui a residência do advogado, quando utilizada como espaço principal ou subsidiário para as suas atividades profissionais, como também o hotel ou o local em que o advogado estiver. ainda que em trânsito, exercendo seu ofício.

Veja-se que a inviolabilidade do espaço destinado ao exercício da defesa processual é regra já inserta no corpo do Código de Processo Penal Italiano, que excepciona a regra exclusivamente quando a prática do crime investigado é atribuída ao próprio advogado, hipótese em que a busca e apreensão deve ser acompanhada por representante de seu órgão de classe e respaldada por determinação judicial precedente, motivada e pormenorizada, sob pena de nulidade da prova obtida. Em que pese intuitivo, a referida legislação italiana expressamente veda que o procedimento realizado se estenda a outros documentos, arquivos, comunicações (tampouco clientes) que não componham o específico objeto do mandado.

Oportunamente, a legislação portuguesa preleciona que, ainda que o advogado se encontre na figura de investigado e se faça imprescindível prévia, fundamentada e especifica determinação judicial, se suscitada qualquer objeção quanto ao sigilo de documentos e objetos a serem apreendidos, o magistrado deve, imediatamente, determinar o sobrestamento do procedimento, fazendo-os acondicionar, sem os ler ou examinar, em volume que deverá permanecer lacrado até que, após decurso do prazo para manifestação dos interessados, seja decidido sobre o seu sigilo.

Incontestável, pois, é que o tratamento outorgado pelo Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, ao menos sob o aspecto legal, não inova ou destoa daquele praticado em países cuja codificação processual punitiva ou legislação de regência do exercício da advocacia tenha influenciado o legislador brasileiro. 

Ponderado assinalar que a inviolabilidade do espaço destinado ao exercício da advocacia é prerrogativa que emana da própria Constituição Federal e reflete a necessária preocupação de que os atores envolvidos estejam comprometidos com a lisura do processo e de seus atos. E, exatamente por tal razão, a inviolabilidade aqui tratada encontra sua exceção nos parágrafos 6° e 7° (cujo texto foi introduzido pela Lei 11.767/2008, conhecida como a Lei da Inviolabilidade).

Assim, nos termos do parágrafo 6°, se a autoridade judiciária competente (leia-se juiz da causa), justificar presentes os indícios de autoria e materialidade da prática de crime por advogado, poderá determinar a quebra da inviolabilidade de que trata o caput deste inciso, em decisão prévia à diligência e devidamente fundamentada, que obrigatoriamente deve ser cumprida na presença de representante da OAB. 

Relevante esclarecer que essa quebra deve ser destinada, restritamente, ao advogado investigado. Logo, os documentos. comunicações e arquivos que sejam relativos a outros advogados, cliente ou sujeitos que não estejam expressamente incluídos no mandado expedido, ainda que se encontrem no escritório ou espaço destinado ao exercício da advocacia, não poderão ser buscados e apreendidos. 

Conforme impositivo consignado no parágrafo 7º, a vedação a utilização dos documentos. das mídias e dos objetos pertencentes a cliente do advogado investigado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes, não se estende ao cliente que esteja sendo formalmente investigado como partícipe ou coautor pela prática do mesmo crime que deu causa á quebra da inviolabilidade. Ainda assim, por se tratar de quebra de garantia constitucional, faz-se rigorosamente essencial que essa diligência esteja alicerçada em decisão judicial que particularize o cliente investigado e o objeto do mandado a ser expedido. Não é possível, em qualquer hipótese, que a ação policial seja instrumentalizada de modo indeterminado, com o intuito de buscar provas genéricas, mesmo que em face de cliente especifico.

Com o escopo de regulamentar a participação da OAB no cumprimento da decisão judicial que determina a quebra da inviolabilidade de que trata a Lei 11.767/08, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, no uso das atribuições conferidas pelo artigo 54, inciso V do Estatuto, delineou, em provimento próprio, as providências e limites da atuação do órgão de classe. 

Do contido no Provimento 127/2008, publicado no Diário da Justiça em 12 de fevereiro de 2009, verifica-se que do Conselho Federal da OAB não pretende que o representante designado para acompanhar a busca e apreensão ordenada para ser cumprida em escritório ou espaço destinado ao exercício da advocacia conserve-se em posição de mero observador. 

Veja-se que incumbe, a referido representante, as seguintes providências: 

I - verificar a presença dos requisitos legais extrínsecos concernentes à ordem judicial para a quebra da inviolabilidade;

II - constatar se o mandado judicial contém ordem especifica e pormenorizada;  

III - velar para que o mandado judicial seja cumprido nos estritos limites em que foi deferido; 

IV - diligenciar para que não sejam alvos de busca e apreensão documentos, arquivos. mídias e objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como os demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes. excetuando a hipótese de indiciamento formal de seu cliente como coautor do mesmo fato criminoso objeto da investigação; 

V - acompanhar pessoalmente as diligências realizadas: 

VI - comunicar à Seccional da OAB qualquer irregularidade verificada no cumprimento do mandado; 

VII - apresentar relatório circunstanciado. respeitado o sigilo devido. à Seccional, para eventual adoção das providências que se fizerem necessárias.

Embora se vislumbre com realidade evidente, a inviolabilidade do espaço destinado à advocacia tem sido devassada, cada vez mais comumente, inclusive mediante deliberações judiciais, pela realização de buscas e apreensões em escritórios de advogados e espaços em que é exercida a advocacia. 

Sem encobrir o escopo e inclusive desprezando o conceito de parte no processo, escritórios passam a constituir meio de obtenção de provas, elementos ou dados indiciários contra clientes investigados. Ainda mais perturbador é que a medida temerária obviamente tem se estendido a outros clientes, não investigados, em prejuízo das mais elementares liberdades individuais.


Dos Direitos do Advogado (Parte 2)

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