Colaborador - Ivan Horcaio

13-07-2020 21h58

Obrigações de Dar Coisa Certa ou Incerta

A obrigação de dar coisa resume-se à obrigação de realizar a tradição (entrega) do objeto, e pode consistir na entrega de coisa certa ou incerta.

A coisa é certa, quando o objeto a ser entregue, é perfeitamente determinado e individualizado (determinado quadro, touro reprodutor ou maquinário agrícola). Por outro lado, a coisa é incerta, quando não é considerada a sua individualidade, mas sim o gênero a que pertence (quando por exemplo, uma empresa se compromete a guardar e restituir duzentas toneladas de milho, ou café).

A coisa incerta será mencionada pela referência a esse gênero e à quantidade, pois se pressupõe ser, de certo modo, indiferente ao credor receber uma ou outra partida, visto que todas, em tese, são iguais e, ela é considerada genericamente. Assim, por exemplo, a obrigação do comerciante que vendeu duzentas sacas de açúcar de determinada marca. Ao credor é indiferente que o pagamento se faça com mercadoria tirada deste ou daquele armazém, pois se imagina a semelhança de qualidade. A mercadoria é encarada em seu gênero: açúcar de determinada marca. E o devedor se libera da obrigação desde que entregue a quantidade e a qualidade avençada.

Obrigação de dar coisa certa

A obrigação de dar coisa certa abrange duas obrigações: a de dar a coisa, ou a de restituí-la ao seu dono. Na obrigação de dar coisa certa, o devedor não poderá entregar ao credor coisa diversa da estabelecida, mesmo que ela seja mais valiosa. Dessa forma, ao restituir o touro reprodutor que estava sob sua guarda para a realização de tratamento, o veterinário não poderá entregar um outro animal, ainda que ele seja mais valioso do que aquele que estava sob sua responsabilidade.

Determina o artigo 233, do Código Civil, que a obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios dela embora não mencionados (a coisa deve ser entregue com todas as partes que a compõem), salvo se o contrário resultar do título ou das circunstâncias do caso. Dessa forma, se novas partes foram acrescidas à coisa, no período em que ela permaneceu em poder do devedor, a ele pertencem, podendo, como veremos adiante o devedor, solicitar aumento do preço pelas melhorias ou acréscimos, ou extinguir (resolver) a obrigação.

Art. 233. A obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios dela embora não mencionados, salvo se o contrário resultar do título ou das circunstâncias do caso.

Pode ocorrer, entretanto, que a coisa se perca ou se deteriore antes que ocorra a tradição:

Perda (artigo 234, do Código Civil)

a) sem culpa do devedor: caso a coisa se perder, sem culpa do devedor, antes da tradição, ou pendente a condição suspensiva, fica resolvida a obrigação para ambas as partes, estando o devedor, obrigado a restituir as importâncias que porventura já houver recebido;

b) por culpa do devedor: se a perda resultar de culpa do devedor, responderá este pelo equivalente à coisa, acrescido de perdas e danos (extingue-se a obrigação original e é criada uma nova, incluindo indenização da coisa em dinheiro, mais perdas e danos).

Deterioração (artigo 235, do Código Civil)

a) sem culpa do devedor: o credor pode resolver a obrigação (recebendo a restituição dos valores que já tenham sido entregues ao devedor), ou aceitar a coisa deteriorada (danificação da coisa ou sua perda parcial), abatido de seu preço o valor que perdeu;

b) por culpa do devedor: o credor poderá exigir o equivalente ou aceitar a coisa no estado em que se encontrar, facultando-lhe o direito de reclamar tanto em um caso, como em outro, indenização por perdas e danos (que servem para recompor o valor do bem, atingido pela deterioração ou diminuição da sua utilidade).

Art. 234. Se, no caso do artigo antecedente, a coisa se perder, sem culpa do devedor, antes da tradição, ou pendente a condição suspensiva, fica resolvida a obrigação para ambas as partes; se a perda resultar de culpa do devedor, responderá este pelo equivalente e mais perdas e danos.

Art. 235. Deteriorada a coisa, não sendo o devedor culpado, poderá o credor resolver a obrigação, ou aceitar a coisa, abatido de seu preço o valor que perdeu.

Art. 236. Sendo culpado o devedor, poderá o credor exigir o equivalente, ou aceitar a coisa no estado em que se acha, com direito a reclamar, em um ou em outro caso, indenização das perdas e danos.

A coisa pertence ao devedor até que a tradição ocorra. Ele poderá dessa maneira, exigir aumento no preço pelos melhoramentos e acréscimos que tenham acontecido. O devedor poderá rescindir a obrigação caso o credor não concorde em pagar o aumento de preço exigido pela valorização da coisa. O proprietário se beneficia dos melhoramentos e acréscimos, da mesma forma que suporta os danos causados pela perda ou deterioração que a coisa possa sofrer.

Esse benefício atinge qualquer acessório e também aos frutos percebidos (pois o devedor era o dono da coisa antes da tradição). Os frutos pendentes pertencem ao credor.

Art. 237. Até a tradição pertence ao devedor a coisa, com os seus melhoramentos e acrescidos, pelos quais poderá exigir aumento no preço; se o credor não anuir, poderá o devedor resolver a obrigação.

Parágrafo único. Os frutos percebidos são do devedor, cabendo ao credor os pendentes.

A obrigação de dar é espécie, e a obrigação de restituir é um de seus gêneros. Se a coisa perece sem culpa do devedor antes que tenha ocorrido a entrega, o credor sofrerá a perda, extinguindo-se a obrigação, estando ressalvados os seus direitos até o dia da perda (assim, na locação de um bem que se perde por qualquer razão, sem que tenha ocorrido culpa do devedor, o credor suporta o prejuízo, mas tem direito aos aluguéis até a data da perda). O credor deverá receber a coisa no estado em que se encontra, sem direito a indenização.

Entretanto, caso exista culpa do devedor no perecimento da coisa, o devedor deverá indenizar o credor no valor equivalente à coisa deteriorada, mais o acréscimo de perdas e danos.

Art. 238. Se a obrigação for de restituir coisa certa, e esta, sem culpa do devedor, se perder antes da tradição, sofrerá o credor a perda, e a obrigação se resolverá, ressalvados os seus direitos até o dia da perda.

Art. 239. Se a coisa se perder por culpa do devedor, responderá este pelo equivalente, mais perdas e danos.

Art. 240. Se a coisa restituível se deteriorar sem culpa do devedor, recebê-la-á o credor, tal qual se ache, sem direito a indenização; se por culpa do devedor, observar-se-á o disposto no art. 239.

Os acréscimos ou melhoramentos que a coisa tenha experimentado, sem que o devedor tenha contribuído com seu trabalho ou com investimento, não obrigam o credor à indenização. Por outro lado, se o devedor houver despendido valores ou trabalho que tenha contribuído para ou aumento ou melhoramento, terá direito a indenização, podendo reter a coisa, até que ela seja paga pelo credor.

Art. 241. Se, no caso do art. 238, sobrevier melhoramento ou acréscimo à coisa, sem despesa ou trabalho do devedor, lucrará o credor, desobrigado de indenização.

Art. 242. Se para o melhoramento, ou aumento, empregou o devedor trabalho ou dispêndio, o caso se regulará pelas normas deste Código atinentes às benfeitorias realizadas pelo possuidor de boa-fé ou de má-fé.

Parágrafo único. Quanto aos frutos percebidos, observar-se-á, do mesmo modo, o disposto neste Código, acerca do possuidor de boa-fé ou de má-fé.

...............

Art. 1.214. O possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos.

...............

Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.


Introdução ao Direito das Obrigações

Obrigação de Dar Coisa Incerta

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