Autor(a) - Cristiane Ferreira

29-04-2021 14h15

A Relação de Trabalho e o Presidiário. É Tempo de Repensar!

Na Constituição Federal de 1988, o trabalho é considerado fundamental para a dignidade humana, para a relação social do indivíduo e é de extrema importância para a economia. Então vejamos:

O artigo 1º nos traz os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito, no inciso III temos a dignidade da pessoa humana, também conhecido como “meta princípio, super princípio, princípio valor ou como mínimo existencial”;

O artigo 5º, no ínciso XLVII, alínea “c” consta a regra mandamental de que não haverá penas de trabalhos forçados;

No artigo 7º, temos o Capítulo Dos Direitos Sociais, que possui conteúdo positivo, ou seja, aquilo que o Estado deve fazer, elencando os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social.

Na Lei 7.210/84, a Lei de Execução Penal (LEP), portanto antes da atual Constituição, prevê em seus artigos:

No artigo 41, inciso II, na Seção II, do Capítulo IV - Dos Deveres, Dos Direitos e Da Disciplina, à atribuição do trabalho e sua remuneração.

No artigo 28, caput, na Seção I, do Capítulo III – Do Trabalho, nos diz que o trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva. 

No artigo 28, parágrafo 2º, do mesmo artigo, nos diz que o trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho.

O artigo 33 estipula a jornada de trabalho que não poderá ser inferior a 06 (seis) e nem superior a 08 (oito) horas, com descanso nos domingos e feriados.

O artigo 126, parágrafo 1º, inciso II, da Seção IV - Da Remição, do Capítulo V – Da Execução das Penas em Espécie, que a cada 3 dias de trabalho um dia da pena será remido, cumprido. Cabe lembrar que estas regras são para os sentenciados que cumprem penas em regimes fechados e semiabertos e esses trabalhos podem ser realizados dentro ou fora dos estabelecimentos prisionais.

Diante dos argumentos jurídicos e das leis existentes que conceituam o que é considerado trabalhador e os requisitos que configuram uma relação de trabalho - artigo 3º da Consolidação das Leis Trabalhista e Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais da Constituição Federal, onde está inserido, no artigo 7º, que são os direitos trabalhistas – pessoas física, serviços de natureza não eventual, sob a dependência do empregador e mediante salário; e no § único ainda traz o princípio da igualdade entre trabalhadores: não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual, regra esta constante no artigo 7º, inciso XXXII da Constituição Federal.

Será que não está na hora do presidiário ter esses direitos trabalhistas reconhecidos, além da remição da pena, reconhecidos como forma, inclusive, de ressocialização, possibilidade de indenização as vítimas, manutenção de sua família que por muitas vezes perde o único provedor e é claro, uma forma da economia continuar girando mesmo com um membro da sociedade estando com sua liberdade restringinda?

Em números, o Brasil possui a quarta maior população carcerária do mundo, ficando atrás apenas de países como a Rússia, China e Estados Unidos. E segundo o Ministério da Justiça, um a cada dez brasileiros estará preso até 2075.

Segundo o Conselho Nacional de Justiça, em 2019, tínhamos uma população carcerária de 812.564, número próximo à população de Nova Iguaçu (RJ) que tem 818.875 habitantes, segundo estimativas do Instituto Brasileiro Geográfico de Estatística (IBGE). A capacidade de presos por unidade prisional é de 371 mil pessoas.

O maior medo da sociedade não é só daquele que comete o crime e sim, também, daquele que terá que retornar ao seio da sociedade, sendo sabido que o sistema carcerário está longe de ressocializar ou melhor dizendo de socializar aquele que cometem crimes. 

O trabalho, sendo realizado dentro do presídio, poderá ensinar que o crime não compensa, além disso o trabalho dignifica o homem e, apesar do salário não ser muito, ele poderá entender que é melhor trabalhar ganhando pouco com liberdade do que muitas vezes ganhando muito, mas com a destruição de si e da família.

É de conhecimento público que o sistema carcerário arregimenta “trabalhadores” para a empresa do crime, as famigeradas “organizações criminosas”, mas não é somente este viés que deve nos preocupar, pois, se aquele que lá dentro está não tiver como sobreviver aqui fora, justamente por que ninguém dará emprego a um egresso do sistema prisional, então, como fazer com que ele entenda que a nossa sociedade quer que ele trabalhe e se adapte as regras sociais?

Com inúmeros problemas em promover o trabalho aos presidiários, os poucos que conseguem isso, saem sem um registro na carteira de trabalho, sem ter direitos trabalhistas reconhecidos, sem recolherem o INSS e o FGTS, e de certa forma, punimos, na verdade, a família deles, que muitas vezes ficam sem o amparo financeiro.

O artigo 29, da Lei 7.210/84, Lei de Execução Penal (LEP) informa que ao trabalho do preso a remuneração, mediante tabela prévia, não poderá ser inferior a três quartos do salário-mínimo e desta remuneração está prevista a indenização aos danos causados, assistência à família, pequenas despensas pessoais, ressarcimento ao Estado das despesas gastas com ele.

Diante disto não há necessidade de mais leis e sim do reconhecimento da relação de trabalho, do vínculo empregatício, do amparo legal pelas leis trabalhistas e, principalmente e mais importante, fomentar as empresas a fornecer trabalho a essas pessoas também. Existem inúmeros trabalhos braçais e até intelectuais que poucos ou ninguém quer fazer.  

Aliados a isto, fomentar a educação, cultura, inclusão tecnológica, informação, hoje é fácil você visitar o Museu do Louvre sem necessidade de viajar até Paris, podendo visitar museus, lugares fantásticos num simples “clic”.

Com a pandemia percebemos o quanto estamos vulneráveis, individualizados e dependentes da tecnologia e o quanto podemos fazer com ela, basta a boa vontade aos homens de bem.

Maturidade, equidade e boa vontade é o que precisamos enquanto seres humanos e sociedade que somos!    
 

Atenção: o conteúdo desta publicação, bem como as ideias apresentadas, não representam necessariamente a opinião desta coluna, sendo de inteira responsabilidade de seu autor.

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Cristiane Ferreira

Advogada com forte atuação na área Penal, tendo exercido apoio à Defensoria Pública do Estado de São Paulo, no Fórum Criminal Mario Guimarães; palestrante na OAB/SP; participante de vários eventos do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCRIM.
Email: cristianefcorreia@gmail.com
(11) 9-4442-1066 // (11) 29869658




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