Autor(a) - Cristiane Ferreira

19-05-2021 17h51

A Técnica da Legítima Defesa “Da Honra”, esdrúxula tese de defesa perpetrada por Advogados!

Significado da palavra “honra”, pesquisado em vários dicionários, entre eles no Site Vademecumbrasil (http://www.vademecumbrasil.com.br), encontramos os seguintes significados: dignidade da pessoa que norteia sua vida pelos ditames da moral; dignidade e decoro de alguém; princípio de conduta de quem é virtuoso, corajoso, honesto; cujas qualidades são consideradas virtuosas; princípio moral e ético que fundamenta a conduta de um indivíduo ou de um grupo; dignidade e honestidade.

Dentro do ordenamento jurídico brasileiro, no Código Penal, encontramos no Título I, Capítulo V a previsão dos Crimes Contra Honra que são:

Calúnia - Art. 138: Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

Difamação - Art. 139: Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

Injúria - Art. 140: Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Existe ainda, na parte geral da mesma norma, o artigo 25:

Legítima defesa - Art. 25: Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.     

Parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes.

Requisitos para configurar a legítima defesa, tirados do livro do representante do Ministério Público e professor Rogério Sanches Cunha, parte geral, vol. Único, pag. 352 a 362  :

a) Injusta agressão – é a agressão (conduta de ação ou omissão) humana que ataca ou coloca em perigo bens jurídicos de alguém, é a agressão contrária ao direito

b) Atual ou iminente – é a agressão que está acontecendo ou prestes a  acontecer. Não se admite a legítima defesa contra agressão passada (vingança) ou futura (mera suposição)

c) Uso moderado dos meios – assegurar a proporcionalidade entre o ataque e a defesa. Entendendo-se como “meio necessário” aquele menos lesivo à disposição do agredido no momento da agressão, porém capaz de repelir o ataque com eficiência.

d) Proteção do direito próprio ou de outrem – admite-se  a legítima defesa na proteção de qualquer bem jurídico (vida, integridade física, honra, patrimônio, dignidade sexual etc.) próprio ou de terceira pessoa.

Se fosse levado em consideração a legítima defesa “da honra”, aquela prevista no Código Penal que estão no Título I, Capítulo V - Dos Crimes Contra Honra, artigos: 138 – Calúnia, 139 – Difamação e 140 – Injúria, o motivo alegado pelos advogados de defesa, no AResp. 1.553.933/SC – IRA E CIÚMES, não estão previstos em nosso ordenamento jurídico, nem mesmo como excludentes:  de ilicitude, de imputabilidade ou de culpabilidade e nem são considerados fatos atípicos.

A tese de Legítima Defesa “da Honra” nos crimes contra a vida confronta diretamente um importante fundamento do Estado Democrático de Direito: a dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º, inciso III,  e o artigo 226, § 8º, ambos da Constituição Federal de 1988:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

Ceifar a vida de alguém por motivo fútil - ciúmes, ira, raiva, inveja - já é inadmissível e se a isso acrescentar o fato da vítima ser mulher, com o meio empregado por asfixia com uma corda, de maneira rápida o que impossibilitou a defesa da ofendida, já é repulsivo, ainda que a vítima não fosse mulher, e tentar justificar juridicamente medonha atitude com a excludente de ilicitude, Legítima Defesa da “Honra”, afronta não só um dos fundamentos do estado Democrático de Direito como inúmeros outros dispositivos constitucionais, bem como a Lei 11.340/06 – Lei Maria da Penha (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm), além de Convenções e Tratados de Direitos Humanos que o Brasil é signatário.

Senão vejamos:

- Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a Violência contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará de 1994: estabelece que “ a violência contra a mulher é uma ofensa à dignidade humana e uma manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres”, e dispões, no artigo 7º, que os “Estados-partes condenam todas as formas de violência contra a mulher e convêm em adotar, por todos os meios apropriados e sem demora, políticas destinadas a prevenir, punir e erradicar tal violência e a empenhar-se em: (...) tomar todas as medidas adequadas, inclusive legislativas, para modificar ou abolir leis e regulamentos vigentes ou modificar práticas jurídicas ou consuetudinárias que respaldem a persistência e a tolerância da violência contra a mulher”. (http://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/m.belem.do.para.htm)

- Convenção para eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher – CEDAW/ONU e suas recomendações: de forma bem objetiva e direta, a recomendação nº 19 do Comitê CEDAW, determina que “as medidas consideradas necessárias para superar a violência familiar devem incluir as seguintes: (...) Legislação para eliminar a “defesa da honra” no que respeita à violência ou a morte de um familiar feminino”. 

- Recomendação nº 37/2017 “os Estados membros apliquem medidas legislativas que afastem a utilização de práticas consuetudinárias que tolerem a violência de gênero, fundamentando-se na cultura, religião ou privilégio masculino, tais como a chamada defesa da “honra”.(http://unhrt.pdhj.tl/por/violencia-contra-as-mulheres/)

- Corte Interamericana de Direitos Humanos: “ a legitimidade de uma sentença penal depende da  observância dos parâmetros jurisprudenciais da Corte (Corte IDH, Caso de la Massacre de la Rochela vs. Colombia. Fundo, reparações e custas. Sentença de 11 de maio de 2007. Série CNº 163, par.197) - (Citado no RHC 168796/SP. Relator: Min.Edson Fachin. J. 04/11/2020).

- IV Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em Beijing, 1995, em sua plataforma de Ação, item 224, estabeleceu que a violência contra as mulheres constitui ao mesmo tempo uma violação aos seus direitos humanos e liberdades fundamentais e um óbice e impedimento a que desfrute deste direito. Ressalta a violência contra mulheres derivada dos preconceitos culturais e declara que é preciso proibir e eliminar todo aspecto nocivo de certas práticas tradicionais, habituais e modernas, que violam os direitos das mulheres. (PIMENTEL, Silvia; PANDJIARJIAN, Valéria; BELLOQUE, Juliana. “Legítima defesa da honra”: legítima impunidade dos assassinos: um estudo crítico da legislação e jurisprudência da América Latina. Cadernos Pagu, Campinas: Unicamp, p. 65-134, 2006. Coleção Encontros)

- A Organização dos Estados Americanos (OEA) “considera o feminicídio como a expressão mais extrema e irreversível de violência e discriminação contra as mulheres, que atenta radicalmente a todos os direitos e garantias estabelecidos nas leis internacionais e nacionais sobre direitos humanos. Este crime é um ato de ódio que distorce de forma extrema todo o sentido de humanidade. Consolida no tempo a visão hegemônica masculina sobre as mulheres como propriedade, objeto de transgressão e símbolo de fraqueza, reforçando a configuração da estrutura de poder do sistema patriarcal de dominação. A OEA reitera, ainda, que cabe aos Estados adotar e implementar medidas para punir esse crime na esfera provada e pública e, em particular, recomenda que a atenuante jurídica “emoção violenta” não seja usada para diminuir a responsabilidade dos feminicidas”. (https://brasil.elpais.com/brasil/2020-10-21/defesa-da-honra-em-2020-o-stf-nao-pode-virar-as-costas-para-as-mulheres.html)

Diante de um caso concreto, crime ocorrido no Estado de Santa Catarina, que chegou até o Supremo Tribunal Federal, através da Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF nº 779 com a seguinte e acertada decisão: “A decisão do STF, nos autos da ADPF 779, conclui que a tese de legítima defesa da honra é inconstitucional e, por conseguinte, proibiu que a defesa sustente tal tese, direta ou indiretamente, no curso da persecução penal, seja na fase investigatória ou processual, inclusive perante o Tribunal do Júri.”

Como se dará essa situação em um Tribunal do Júri? 

Lembrando que o Tribunal do Júri é uma previsão constitucional, em seu no artigo 5º, inciso XXXVIII, e tem previsão e procedimento no Código de Processo Penal, em seus artigos 406 a 491.

O julgamento será feito por juízes leigos “pessoas comum do povo, eleitores”, 07 (sete) jurados, que comporão o Conselho de Sentença, que votam de forma secreta e por convicção íntima, com base até mesmo em razões metajurídicas, ou seja, que não se consegue analisar por maneiras convencionais da forma como seria analisado pelos princípios da jurisprudência.

Lembrando que, “desde 1991, pelo menos, a tese de legítima defesa da honra é refutada, com veemência, por esta Corte Superior - STJ como fundamento válido à absolvição dos uxoricidas (Assassinato em que o marido mata a esposa). (RESp n. 1517/PR, Rel. Ministro José Candido de Carvalho Filho, 6ª T., DJ 15/4/1991)”, disse o relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ ao proferir sua decisão no AREsp. 1.553.933/SC

Vamos aguardar o fim desse processo para saber como se comportou os “juízes leigos” do Tribunal do Júri.

A luta pela não violência contra mulheres faz parte das pessoas que defendem os Direitos Humanos.

Desde já, eu como mulher, agradeço aos ministros das Cortes Superiores pelo respeito, consideração e por não virarem as costas a nós, mulheres brasileiras!!!
                    

 
 

Atenção: o conteúdo desta publicação, bem como as ideias apresentadas, não representam necessariamente a opinião desta coluna, sendo de inteira responsabilidade de seu autor.

Generic placeholder image
Cristiane Ferreira

Advogada com forte atuação na área Penal, tendo exercido apoio à Defensoria Pública do Estado de São Paulo, no Fórum Criminal Mario Guimarães; palestrante na OAB/SP; participante de vários eventos do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCRIM.
Email: cristianefcorreia@gmail.com
(11) 9-4442-1066 // (11) 29869658




Teletrabalho, Férias e FGTS: Saiba o que Muda Com a MP 1.046 de 27 de abril de 2021

Como me Posiciono no Mundo - Conscientizar-se da forma como o indivíduo se coloca no cotidiano.

COMPARTILHE ESTA NOTÍCIA

whatsapp twitter linkedin
^
subir