Autor(a) - Thiago de Borgia Mendes Pereira

29-06-2020 09h05

Boa-fé nos Contratos Empresariais em Tempos de COVID-19

Vivemos em um período em que a maior parte das empresas estão passando por notória dificuldade econômica, isso diante da pandemia do covid-19 (novo coronavírus) que culminou no isolamento social e consequentemente na quebra da cadeia de consumo que alimenta o mercado nacional e internacional.

Esse cenário fez com que muitas empresas se desdobrassem em inúmeras negociações com clientes e fornecedores no propósito de honrar seus compromissos e preservar a cadeia produtiva em que está envolvida, uma vez que o problema reportado aflige e afeta de forma difusa a todos.

Porém, diante de uma pandemia, muito se questiona sobre a possibilidade de se descumprir os contratos e rescindir unilateralmente, sem a incidência de responsabilidade pelo descumprimento contratual em razão de uma alegada força maior, prevista no artigo 399 do Código Civil.

Art. 399. O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada.

Antes de respondemos tal questão, devemos relembrar um princípio básico que sustenta todas as relações negociais, que é o da boa-fé contratual. O art. 422 do Código Civil dispõe  que: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”, não havendo qualquer relativização desse princípio em tempos excepcionais como o que vivenciamos nesse momento.

Referido princípio norteia as relações jurídicas como um todo e impõe as partes o dever de cooperação, honestidade e lealdade na correta relação obrigacional. E, por isso, diante da alegada força maior, outros elementos devem ser verificados a fim de se demonstrar o real nexo de causalidade entre a pandemia e o descumprimento do contrato.  

Quando tratamos de contratos empresariais, deve-se levar em consideração que a rescisão abrupta do contrato pode gerar um enorme prejuízo a quem se adaptou e investiu para o seu atendimento, gerando um problema econômico e social diante da possibilidade da demissão de funcionários que atendiam aquele contrato. 

Nesse sentido, temos o art. 473, parágrafo único do Código Civil, que protege tais investimentos e indica que a denúncia do contrato de forma unilateral só terá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos.

Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte.

Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos.

Portanto, em busca de uma solução mais equilibrada, em virtude da situação excepcional que se criou com a pandemia, a negociação e a busca pela mediação tem trazido melhores resultados diante das relações de trato continuado, já que é sabido que referida pandemia (covid-19) é passageira e não pode ser utilizada de forma abrupta e sem um nexo de causalidade devidamente demonstrado.

O artigo 393, parágrafo único do Código Civil autoriza a força maior como excludente de responsabilidade contratual, desde que inevitáveis, insuperáveis e em razão do disposto no art. 399 do mesmo diploma, já transcrito, eis que impede ao contratante, que já está em mora, sua alegação. Por essa razão, para que se utilize desse expediente, não basta a mera alegação de que a pandemia gerou a força maior autorizadora do descumprimento contratual, mas sim que ela foi capaz de gerar um impedimento concreto ao adimplemento da prestação e que existe um nexo de causalidade entre ela e a impossibilidade do cumprimento contratual, demonstrando ser um fato superveniente.

Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

Importante ressaltar que os pontos mencionados deverão ser analisados caso a caso, e, por isso, demanda responsabilidade das empresas no momento de rescindirem um contrato com a mera alegação de força maior, já que no âmbito do Poder Judiciário, serão incitadas a demonstrarem que não haviam outro modo de adimplir a obrigação, inclusive por meio de uma negociação previamente frustrada.

Dessa forma, tendo em vista que as empresas estão se adaptando a nova realidade e em sua maioria continuam cumprindo com os seus contratos de forma remota com o auxílio das tecnologias necessárias, e, sendo a pandemia do COVID-19 algo sabidamente passageiro, devem as empresas utilizar com responsabilidade, e dentro dos parâmetros de boa-fé, a rescisão unilateral do contrato sob o pretexto da força maior, a fim de não incorrerem nas responsabilidades contratuais. 

Por isso, se não houver certeza quanto ao preenchimento dos requisitos necessários para a resilição unilateral do contrato, o melhor caminho, diante do cenário de crise que se apresenta, é a composição negocial com concessões recíprocas que viabilizem a continuidade do contrato, eis que a mera alegação de que a pandemia surtiu na paralisação de atividades, desassociados dos demais elementos, não afastam as consequências do descumprimento contratual.

Atenção: o conteúdo desta publicação, bem como as ideias apresentadas, não representam necessariamente a opinião desta coluna, sendo de inteira responsabilidade de seu autor.

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Thiago de Borgia Mendes Pereira

Advogado. Sócio do Mendes Pereira Castilhos Advogados. Mestre em Direitos fundamentais pela UNIFIEO. Pós-graduado em Direito Tributário IBET - São Paulo. Foi Membro efetivo da comissão de Direito Administrativo e é Examinador da Ordem dos Advogados do Brasil, secção São Paulo. Professor na Escola Superior de Advocacia (ESA). Professor da graduação e de pós-graduação na Anhanguera/Santana - Campus Marte -SP. Professor da UNIFAI. Atua como Árbitro da Arbitrare - Corte Internacional de Mediação e Arbitragem. Atua na área consultiva cível com destaque para questões que envolvem direito tributário e empresarial, planejamento sucessório e organizações familiares, relações de consumo com ênfase em direito de saúde e direito imobiliário. Atua também na área do direito público e eleitoral, em causas que envolvem improbidade administrativa e governança.
Site: www.mpcadv.com.br
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