Autor(a) - Ricardo Bergossi

09-06-2020 21h47

Cidadania Italiana - Linha Materna (Pré-48)

Em oportunidade anterior, explicamos que para ter o direito ao reconhecimento da cidadania italiana basta que você seja descendente de italiano. Explicamos também que não importa o número de gerações, de modo que ainda que o seu antepassado seja distante, como é o caso de um tataravô, mesmo assim o seu direito permanece intacto.

Tudo isso é explicado em detalhes no artigo: https://www.bergossi.adv.br/direito-cidadania-italiana

A partir destas conclusões, você está em condições de compreender que existe uma linhagem familiar que te vincula ao seu antepassado italiano. Se, por exemplo, o antepassado que te garante o direito é o seu tataravô, esta linhagem será formada pelo seu pai, pelo seu avô, pelo seu bisavô, e, por fim, pelo seu trisavô. 

Portanto, quando me refiro ao termo “linhagem familiar”, para o propósito deste artigo (e também da cidadania), você deve compreender apenas aquelas pessoas que são indispensáveis para te ligar, em termos de descendência/ascendência, ao seu antepassado italiano. 

Agora, o que acontece se você tiver uma mulher na sua linhagem familiar? Ainda assim você terá o direito? A Lei italiana é machista? 

O problema é que muitas pessoas (muitas pessoas mesmo!) acabam interpretando essa situação de maneira equivocada. Um número elevado de descendentes acaba, inclusive, deixando de exercer o direito, pois foram levados a acreditar que a existência de uma linha materna impossibilita o reconhecimento da cidadania italiana. 

Para evitar que você seja prejudicado por um erro de interpretação, vamos entender juntos - e de uma maneira bem simples - o contexto ao entorno da legislação sobre o tema. 

Sucede que na Itália de fato não existia igualdade legal entre homens e mulheres. E uma das consequências deste fato era que as mulheres não detinham o direito de transmitir a cidadania aos filhos.
  
Felizmente a Constituição da República Italiana de 1948 rompeu com esta tradição machista e a distinção legal entre os gêneros deixou de existir. 

Significa, em termos práticos, que a partir de então (janeiro de 1948) as mulheres passaram a ter os mesmos direitos que os homens, o que inclui o direito de transmitir a cidadania aos filhos. 

Note, portanto, que a partir deste marco legal passou a existir dois cenários. 
  
Se a mulher tivesse um filho antes desta data (janeiro de 1948), com um estrangeiro, este filho não seria italiano.
  
Problema não haveria, contudo, no caso dos filhos desta mesma mulher que tiveram a sorte de nascer depois de 1948 - ocasião em que ela já estava apta, por força lei, para transmitir a nacionalidade italiana. 

Veja que situação complicada, se uma mãe italiana teve dois filhos, um nascido antes de 48 e outro depois desta data, apesar de irmãos, um seria italiano e o outro não. 

A partir desta explicação eu te faço a seguinte pergunta: Se na sua linhagem familiar tiver uma mulher nascida antes de 1948, você terá uma linha materna? 

Esse é um erro que muita gente comete, mas agora você já está em condições de responder que não é bem assim. Como já explicamos, não é a data de nascimento da mulher que irá definir a existência de uma linha materna. O que precisamos analisar é a data de nascimento dos filhos desta mulher (se nasceram antes ou depois de 48). 

Imagine então que na sua linhagem tem duas mulheres. a sua avó e a sua mãe. A primeira nasceu em 1935 e a segunda em 1955. Neste caso você teria uma linha materna? Note que mesmo existindo duas mulheres na sua linhagem, aqui não se aplica a regra da linha materna, pois quando a sua mãe nasceu a sua avó já possuía o direito de transmitir a cidadania - por força do advento da Constituição de 1948. Ficou claro?

É por esta exata razão que eu particularmente não gosto da expressão “linha materna”. Ela não está errada, já vi esta expressão sendo usada inclusive em sentenças de juízes italianos. Porém, ela é uma expressão que induz ao erro, pois faz com que as pessoas pensem que basta ter uma mulher na linhagem para que se aplique o regramento da linha materna. E como vimos no exemplo acima, é possível aplicar o regramento da via administrativa (explicaremos a seguir) mesmo em casos em que há duas mulheres na relação sucessória. 

Repito, para que não fique qualquer margem para dúvidas, o que é determinante é a data de nascimento do(a) filho(a) desta mulher. Melhor seria, portanto, o emprego da expressão “linhagem feminina pré-48”, ou apenas “pré-48”. 

Com base em tudo o que conversamos agora você já sabe identificar quem são os descendentes “pré-48”, ou seja, aqueles que efetivamente se enquadram no contexto da linha materna. Mas como fica a situação deles? É verdade que eles não possuem o direito? 

Por muito tempo o direito de reconhecimento da cidadania italiana era taxativamente negado aos descendentes "pré-48". Entretanto, a boa notícia é que o judiciário italiano, a partir de 2009, se posicionou a favor destes descendentes. 
  
O entendimento que prevalece hoje, na justiça italiana, é no sentido de que tal distinção entre os descendentes é injusta e não encontra amparo na Constituição. O precedente de referência foi julgado pela “Corte Suprema di Cassazione”, consoante registro na sentença nº.4466, de 25.02.2009.
  
Significa que a existência de uma linha materna hoje não é mais um problema. Isso é pacífico. A justiça italiana assegura o direito aos descendentes com linhagem feminina pré-48, eis que, assim como àqueles com linhagem paterna, eles representam uma herança histórica e cultural importante do povo italiano. 
  
Mas existe um detalhe importante que você precisa saber, os órgãos da Administração Pública da Itália continuam presos ao entendimento anterior. Ou seja, apesar da posição da justiça italiana, os descendentes “pré-48” ainda não podem se valer do processo administrativo.
 
Portanto, a única diferença no que se refere à linha materna é quanto ao procedimento. 
 
Vamos entender: Enquanto os descendentes com linhagem paterna podem requerer o reconhecimento da cidadania pela via administrativa, através dos serviços de um “comune” ou de um consulado italiano, aqueles com linhagem feminina precisam iniciar um processo judicial. 

Mas isso não necessariamente é uma desvantagem. 

Ocorre que a via administrativa apresenta algumas dificuldades, dentre elas o tempo da fila de espera dos consulados no Brasil, que não raramente supera a margem de 10 (dez) anos. Por outro lado, aqueles que têm condições financeiras (e de vida) para fixar residência na Itália não precisam enfrentar este problema, posto que o processo de cidadania conduzido pelo “comune” tende a ser muito mais rápido. 

Porém, a verdade é que ir até a Itália, fixar residência, apenas para iniciar e conduzir o processo, acaba sendo um expediente extremamente caro (passagens aéreas, aluguel, custos de manutenção, taxa de câmbio, etc).
 
Ademais disto, em razão das obrigações cotidianas (trabalho, família e estudos), nem todos os descendentes têm a disponibilidade para ficar um período mais longo residindo no exterior.
  
E é justamente por tudo isto que a via judicial acaba sendo tão atrativa.
 
Quem busca o reconhecimento da cidadania judicialmente não enfrenta a obrigatoriedade de ir à Itália. Basta, nestes casos, conferir uma procuração ao advogado especializado, que iniciará o processo judicial - por representação - diretamente perante o Tribunal Ordinário de Roma.
  
Outra vantagem da via judicial é o tempo, consideravelmente mais rápido que a opção consular.
  
E mesmo envolvendo custos com advogado, a opção judicial tende a ser menos onerosa do que as despesas para fixar residência no exterior.
  
Em resumo, a opção judicial é mais rápida do que o processo dirigido pelos consulados no Brasil e mais barata e simples do que a opção de iniciar o processo direto na Itália.
 
É com base nessas considerações que considero que a linha materna não é um problema, inclusive, pode ser a melhor notícia para o seu processo de reconhecimento da cidadania italiana. 
 

Atenção: o conteúdo desta publicação, bem como as ideias apresentadas, não representam necessariamente a opinião desta coluna, sendo de inteira responsabilidade de seu autor.

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Ricardo Bergossi

Advogado. Atua na área do Direito Internacional Privado e do Direito de Imigração; MBA em Gestão Tributária; Pós-graduado em Direito Empresarial; Presidente da Comissão de Direito Bancário da Subseção Santana da Ordem dos Advogados do Brasil; Sócio Administrador da Hissi & Bergossi - Sociedade de Advogados.




Diferença entre Racismo e Injúria Racial e suas Implicações no Âmbito do Direito Penal. 

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