Autor(a) - Ricardo Bergossi

03-08-2020 13h02

Cidadania Italiana - Via Judicial: Em Favor dos Descendentes de Linhagem Paterna

É consideravelmente alto o número de descendentes de italianos no Brasil. Com o crescente interesse pela realização do “sonho da cidadania”, ganham eco as reclamações em razão das longuíssimas filas de espera, usuais para os processos iniciados a partir dos consulados italianos. 

De fato, muito embora o governo italiano e os consulados venham adotando medidas para o fim de modernizar e otimizar a prestação deste serviço, ainda assim, o descendente que decide iniciar o seu processo de reconhecimento no Brasil precisa estar preparado para esperar mais de 10 anos por uma solução.

Por outro lado, a linha materna, que muitas vezes é mal compreendida e vista como um problema, apesar não autorizar o pedido administrativo, encontra solução fácil no âmbito judicial.

A propósito, experiência recente passou a revelar que a linha materna não apenas não representa um problema, como, em alguns aspectos, apresenta vantagens consideráveis, quando comparada com as opções disponibilizadas para o descendente de linhagem paterna (via administrativa).

Em resumo, quem precisa reconhecer a cidadania italiana, pela via administrativa, pode optar por iniciar o requerimento perante um dos Consulados Gerais Italianos no Brasil, se valendo de sua condição especial de nacional italiano residente no exterior. Ou ainda, poderá fazê-lo diretamente na Itália, através dos serviços do órgão municipal competente . A estas duas opções se dá o nome de “via administrativa”.

A dificuldade para quem decide pela via administrativa nos consulados do Brasil é o longo tempo de espera, como vimos de descrever logo mais abaixo. 

Por outro lado, o procedimento direto na Itália tende a ser rápido, em uma média que não supera 03 (três) meses. Quem decide iniciar o requerimento na Itália, contudo, precisa fixar residência e lá permanecer até o final do procedimento, o que envolve elevados custos. 

Ademais disso, em razão das obrigações cotidianas (trabalho, família e estudos), nem todos(as) os(as) descendentes tem a disponibilidade para ficar um período mais alongado residindo no exterior.

E é justamente por tudo isso que a via judicial acaba sendo tão atrativa. 

Quem busca o reconhecimento da cidadania pela via judicial não enfrentará a obrigatoriedade de ir à Itália. Bastará, neste caso, conferir uma procuração ao advogado especializado, que iniciará o processo por ato de representação. 

Outra vantagem da via judicial é o tempo, consideravelmente mais rápido do que a opção consular. Sabemos que é sempre leviano precisar o tempo que leva para encerrar um processo judicial (tanto no Brasil como na Itália). Mas a experiência nos permite estimar que o processo de reconhecimento pela via judicial leva uma média que varia entre 01 (um) ano a 02 (dois) anos para ser concluído. Portanto, apresentando grande vantagem quando comparamos com o tempo de tramite exigido pelos consulados no Brasil.

E mesmo envolvendo custos com advogado, a opção judicial tende a ser menos onerosa do que as despesas usuais para fixar residência no exterior.

Diante de tais circunstâncias, um fenômeno recente começou a se notabilizar. Qual seja: Os descendentes de linhagem paterna passaram também a querer se valer da via judicial. 

Em face de uma jurisprudência que data de 2014 (Tribunal Ordinário de Roma, 05 de dezembro de 2014), que julgou procedente a demanda de descendente pela via paterna, a orientação dos juízes vem sendo sucessivamente estabelecida em um princípio segundo o qual: "Enquanto para o descendente de antepassados italianos, que pretende requerer a cidadania pela via materna “lei 1948”, não existe outra alternativa senão o processo judicial, aqueles pela via paterna, ao inverso, têm assegurada a possibilidade de apresentarem o pedido pela via administrativa".

Significa, em termos jurídicos, que o descendente que tem o seu direito assegurado pela via administrativa não teria o interesse de agir para ingressar pela via judicial. 

Nesse ponto, o conceito de interesse de agir no Direito Italiano não é diferente daquele ao qual estamos habituados em nossa legislação. 

A rigor, o pressuposto mínimo para se valer da tutela do Poder Judiciário, tanto no Brasil quanto na Itália, é a necessidade e a utilidade da intervenção judicial. Significa que se for possível alcançar o resultado por outra via, diversa da judicial, o processo não será admitido, pois faltará ao autor aquilo que os juristas denominam como interesse de agir (ou interesse de ir a juízo). 

Explicando de outra maneira, o interesse de agir atua como um filtro das pretensões que podem ou não chegar ao conhecimento do Estado-Juiz. De maneira que se o bem da vida perseguido pode ser conquistado por uma via administrativa, o requerente não possui interesse legítimo para provocar o Estado-Juiz e movimentar a máquina judicial. 

O direito quanto ao reconhecimento da cidadania para os descendentes de linhagem paterna, desde que preenchido os requisitos legais, não será negado pela via administrativa. E não existe controvérsia a este respeito. De maneira que não se visualizaria, a princípio, real necessidade de ir a juízo. 

Assim sendo, recordamos que o interesse de agir se entende “pelo interesse de conquistar uma utilidade ou uma vantagem que não é possível alcançar sem a intervenção judicial”. E é neste contexto que nasceu a tese segundo a qual seria inadmissível, por defeito de interesse de agir, o reconhecimento da cidadania italiana iure sanguinis pela via judicial, por parte do descendente de italianos de linhagem paterna.

Muito embora essa linha de entendimento seja de fato aplicável em alguns casos, existem circunstâncias que exigem maiores considerações, como é precisamente o caso dos descendentes dos imigrantes italianos residentes no Brasil. 

A experiência nos revela que diante da longa espera, muitas pessoas acabam deixando de regularizar a questão. A iniciativa para obter todas as documentações, traduzir e apostilar, demanda um custo elevado. E se tal despesa não é correspondida pela expectativa imediata de solucionar o assunto, talvez seja mais conveniente não iniciar o procedimento.

Nesta direção, em uma sentença recente o Tribunal de Roma observou que o longo tempo de espera nos consulados italianos no Brasil, a partir da data de apresentação do pedido, pode gerar um elemento danoso equivalente a impraticabilidade de fato do direito. 

Simplificando para aclarar o entendimento, ainda que seja protocolar o fato de que, estando preenchido os requisitos, o direito não será negado pela via administrativa, a longa espera imposta pelos consulados, para a conclusão do procedimento, torna impraticável o regular exercício deste direito.

E foi somente a partir do acórdão de relatoria do eminente Juiz Dott. Vitalone, prolatado em 10 de junho de 2016, no âmbito da Seção Civil do Tribunal Ordinário de Roma, que o interesse de agir do descendente pela linha paterna fora finalmente acolhido. 

Destacamos abaixo uma breve passagem desta importante decisão:

“deve ser considerado no presente caso corretamente instaurado o presente processo, equivalendo a uma substancial denegação do direito acionado a imposição de um tempo de espera superior à dez anos”

Ainda mais recentemente, o Tribunal de Roma, com a sentença de 24 de fevereiro de 2017, reafirmou o princípio, observando que: “A incerteza quanto a definição do requerimento pelo reconhecimento do status civil italiano iure sanguinis, ao longo do decurso de um lapso de tempo irrazoável, comporta além disso uma lesão a este direito, equivalendo à uma negativa quanto ao reconhecimento do direito, justificando o interesse de agir para recorrer à tutela jurisdicional”. 
 
É necessário ressaltar que estes e outros precedentes retratam uma jurisprudência em formação, que ainda não está consolidada. Diferente, por exemplo, do que ocorre com o processo judicial em favor dos descendentes de linhagem materna, que encontra amparo na jurisprudência majoritária e dominante. 

Pelo que a ação pressupõe uma preparação acurada e meticulosa dos argumentos e dos documentos . O advogado especializado precisa avaliar atentamente, caso por caso, a presença dos requisitos e elementos determinantes:

•    O interessado já apresentou a demanda ao consulado italiano, comprovando a data do requerimento?;

•    A lista de espera divulgada pelo consulado não inclui o seu requerimento?;

•    O número de requerimentos nesta lista, atualmente, deve impedir o requerente de visualizar a consolidação do seu direito em prazo razoável;

•    Uma estimativa aproximada do número de anos que, com base na lista atual, o requerente será forçado a esperar.


É necessário certa cautela, mas esta vertente vem se revelando um remédio importante. 

Enquanto os consulados não estiverem em condições para fazer frente à elevada demanda, esta certamente será uma luta judicial digna de ser enfrentada, em favor da comunidade dos ítalo-descendentes no Brasil. Defendemos com vigor a importância de lutar para fortalecer e consolidar esta nova linha jurisprudencial.

Uma outra opção, um pouco mais conhecida e com menos resistência, seria aguardar o decurso do prazo legal que o consulado tem para concluir o procedimento (730 dias, após a entrada do pedido no Consulado). 

O prazo previsto pelo Decreto nº. 33/2014 é de 730 dias (ou seja, dois anos). Findo este prazo, ainda nos termos da legislação italiana, é possível encaminhar uma notificação extrajudicial ao consulado (a famosa diffida). O consulado terá o prazo de 30 dias para responder a diffida. Caso não responda, ou não atenda o pedido, terá cabimento a competente medida judicial para fazer valer a Legislação Italiana. Nesta hipótese não há o que se discutir em relação ao interesse de agir, já que efetivamente fora comprovada a violação da Lei.

O procedimento da diffida tende a ser mais eficaz quando administrado por um advogado especializado, devidamente registrado na Itália.

Atenção: o conteúdo desta publicação, bem como as ideias apresentadas, não representam necessariamente a opinião desta coluna, sendo de inteira responsabilidade de seu autor.

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Ricardo Bergossi

Advogado. Atua na área do Direito Internacional Privado e do Direito de Imigração; MBA em Gestão Tributária; Pós-graduado em Direito Empresarial; Presidente da Comissão de Direito Bancário da Subseção Santana da Ordem dos Advogados do Brasil; Sócio Administrador da Hissi & Bergossi - Sociedade de Advogados.




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