Autor(a) - Cristiane Ferreira

07-06-2021 17h25

Estelionato Afetivo: é o Amor Quem Tem que Pagar a Conta ou a Falta de Caráter?

O estelionato afetivo, também conhecido como sentimental, amoroso etc. se dá no âmbito dos relacionamentos, que pode ser amoroso, o que é mais comum, e no âmbito da amizade.

Normalmente e em maior número, as vítimas são mulheres, mas  nada impede da vítima ser um homem e do fato ocorrer entre amigos, a questão é a obtenção de vantagem ilícita através do induzimento ao erro utilizando de artifício ardil ou fraudulento.

É o que se extrai do artigo 171 do Código Penal:

Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.

Que foi alterado pela Lei 14.155/21, passando a vigorar em 28/05/2021, que acrescentou os seguintes parágrafos:

Fraude eletrônica 

§ 2º-A. A pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa, se a fraude é cometida com a utilização de informações fornecidas pela vítima ou por terceiro induzido a erro por meio de redes sociais, contatos telefônicos ou envio de correio eletrônico fraudulento, ou por qualquer outro meio fraudulento análogo. 

§ 2º-B. A pena prevista no § 2º-A deste artigo, considerada a relevância do resultado gravoso, aumenta-se de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o crime é praticado mediante a utilização de servidor mantido fora do território nacional.

Embora o namoro não seja caracterizado como entidade familiar, a modernidade vem fazendo surgir litígios entre as partes e de uma maneira mais corriqueira no campo do judiciário, sendo utilizados como forma de recuperar valores que foram utilizados pelo companheiro(a), que, supostamente, tenha sido utilizado de uma forma proposital, para que de alguma maneira levasse vantagem, abusando da boa-fé da outra parte.

Vale salientar, que esta situação é muito mais complexa do que se pode imaginar, é preciso analisar  com cuidado e identificar quando existe a intenção de tirar proveito desta boa-fé, com a intenção de se sair bem, causando assim grande prejuízo e endividamento do companheiro(a) /parceiro(a) que concedeu sua ajuda financeira ao bem-estar da outra, deixando bem claro e evidente que não houve a intenção de benefício recíproco.

O termo "estelionato sentimental" surgiu em um processo que aconteceu em Brasília, no ano de 2015. O juiz da 7ª Vara Cível de Brasília condenou o réu ao pagamento de cento e um mil e quinhentos reais a sua ex-namorada como ressarcimento a diversas contas que ela teria pagado durante o relacionamento de dois anos, incluindo roupas, sapatos e pagamentos de contas telefônicas etc.

PROCESSO CIVIL. TÉRMINO DE RELACIONAMENTO AMOROSO. DANOS MATERIAIS COMPROVADOS. RESSARCIMENTO. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. ABUSO DO DIREITO. BOA FÉ OBJETIVA. PROBIDADE. SENTENÇA MANTIDA. 1. [...] depreendendo-se que a autora/ apelada efetuou continuadas transferências ao réu; fez pagamentos de dívidas em instituições financeiras em nome do apelado/réu; adquiriu bens móveis tais como roupas, calcados e aparelho de telefonia celular; efetuou o pagamento de contas telefônicas e assumiu o pagamento de diversas despesas por ele realizadas, assim agindo embalada na esperança de manter o relacionamento amoroso que existia entre a ora demandante. Corrobora-se, ainda e no mesmo sentido, as promessas realizadas pelo varão-réu no sentido de que, assim que voltasse a ter estabilidade financeira, ressarciria os valores que obteve de sua vítima, no curso da relação. 2. Ao prometer devolução dos préstimos obtidos, criou-se para a vítima a justa expectativa de que receberia de volta referidos valores. A restituição imposta pela sentença tem o condão de afastar o enriquecimento sem causa, sendo tal fenômeno repudiado pelo direito e pela norma [...].

(TJDF. Acórdão n.866800, 20130110467950APC, Relator: CARLOS RODRIGUES, Revisor: ANGELO CANDUCCI PASSARELI, 5ª Turma Cível, Data de Julgamento: 08/04/2015, publicado no DJE: 19/05/2015. P. 317).

Sustenta o nobre relator que “o mínimo que se espera nas relações intersubjetivas é que as pessoas envolvidas atuem com boa-fé, sinceridade nas palavras, lealdade e transparência.

Para o criminalista Greco (2014, p. 236) diz que:

“Desde que surgiram as relações sociais, o homem se vale de fraude para dissimular seus verdadeiros sentimentos, intenções, ou seja, para, de alguma forma, ocultar ou falsear a verdade, a fim de obter vantagens que, em tese, lhe seriam indevidas. ”

Portanto nota-se que “Estelionato Afetivo” deve ser reconhecido tanto na esfera cível quanto penal. Devendo ser feita uma análise criteriosa e muito minuciosa, observando caso a caso, no seu contexto geral, ou seja, de forma concreta, devendo levar em conta também a relação de causa e efeito entre a conduta do agente e o resultado do crime, para que haja uma possível condenação.

Diante do que se intitulou o “estelionato afetivo”, podem ocorrer indenizações pelos danos materiais e morais sofridos e condenação penal pelo ilícito praticado.

Infelizmente há uma tendência em nosso país, em que pessoas estão se aproximando de seus parceiros com um único objetivo: tirar vantagem dos bens/patrimônio da outra pessoa, aproveitando-se de uma possível fragilidade afetiva e, às vezes, até emocional, que foi adquirida de possíveis relacionamentos frustrados e, algumas vezes, com problemas familiares.

Vale mencionar que, uma ação desta magnitude exige o máximo de provas possíveis, tais como: conversas pessoais gravadas ou registradas por meio de aplicativos de bate-papo, comprovantes de pagamento de contas em favor do parceiro/companheiro e talvez recorrendo a testemunhas que por várias vezes presenciaram tais fatos.

O estelionato afetivo mais do que causar prejuízo financeiro, ele causa uma dor imensurável na vítima, destrói o sentimento de confiança, arrebenta com o emocional, causa vergonha e a sensação de que ela foi usada.

O autor deste tipo de conduta não possui caráter, hombridade e nenhum respeito pela sua vítima.

Infelizmente essa situação está se tornando corriqueira e não atinge somente as pessoas das classes mais abastadas, mas está atingindo pessoas de todos os níveis sociais.

O que fazer e como se proteger?

Produzir provas através dos comprovantes de compras, transferências e depósitos, conversas em aplicativos, testemunhas, sempre faça backup das conversas de WhatsApp e demais aplicativos. É possível a recuperação total inclusive.

O amor jamais pode pagar a conta, mas a falta de caráter sim!

Atenção: o conteúdo desta publicação, bem como as ideias apresentadas, não representam necessariamente a opinião desta coluna, sendo de inteira responsabilidade de seu autor.

Generic placeholder image
Cristiane Ferreira

Advogada com forte atuação na área Penal, tendo exercido apoio à Defensoria Pública do Estado de São Paulo, no Fórum Criminal Mario Guimarães; palestrante na OAB/SP; participante de vários eventos do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCRIM.
Email: cristianefcorreia@gmail.com
(11) 9-4442-1066 // (11) 29869658




Abuso Emocional - Lei Maria da Penha - Um Abuso “Confuso e Sutil”, Difícil de Ser Identificado! Atenção !

Confira o Que Pode Levar à Demissão por Justa Causa e Quais São os Direitos do Empregado

COMPARTILHE ESTA NOTÍCIA

whatsapp twitter linkedin
^
subir