Autor(a) - Mardson Costa

26-07-2021 15h30

O Clamor Público é Pressuposto Para Decretação Preventiva?

Nos últimos dias um assunto em especial chamou a atenção do grande público: A prisão preventiva do Dj Ivis por agressão a sua esposa. O fato ganhou notável repercussão após publicarem nas redes sociais vídeos onde haviam agressão mútua. Explico: Nos stories dela na rede social, ele a agredia, e nos stories dele foi publicado um vídeo onde ele é agredido. Devido a ausência de maiores informações sobre o motivo do casal ter chegado às vias de fato, este artigo visa esclarecer somente a legalidade da prisão do DJ e os pressupostos para a decretação da prisão preventiva.

Diz o código de processo penal, em seu artigo 313, que a prisão preventiva será decretada nas seguintes situações. In verbis: 

Art. 313.  Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:

I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;

II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal; 

III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; 

Pois bem, em que pese a reprovável conduta imputada ao acusado, e de acordo com o que foi apresentado ao grande público, verifica se que baseado no texto de Lei a prisão preventiva foi decretada de forma irregular. Não estamos dizendo que ele deva ser absolvido, ou que o fato em sí não constitui crime, uma vez que quem decidirá isso será o juiz da causa após análise perfunctória do conjunto probatório.

Insta salientar que a prisão preventiva tem objetivos definidos, e de acordo com o artigo 312 do Código de Processo Penal são os seguintes:

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.

1º - A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares.

§ 2º - A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada.

Como podemos ver, não há previsão legal para a prisão do DJ Ivis, cujo respaldo se deu apenas no clamor público, pois como dito acima, não chegou ao grande público maiores informações além das que foram passadas pelos envolvidos.

Cabe esclarecer que a conduta imputada ao indiciado tem pena de 3 meses a 3 anos, e a prisão preventiva deve ser decretada nos crimes que sejam punidos com reclusão e a pena seja superior a 4 anos, conforme inciso I do artigo 313 do Código de Processo Penal.

Não obstante, não consta que havia medidas protetivas ou outras medidas cautelares, tampouco foi pego em flagrante, que para ser caracterizado deve atender aos requisitos do artigo 302 do Código de Processo Penal, vejamos:

Art. 302.  Considera-se em flagrante delito quem:

I - está cometendo a infração penal;

II - acaba de cometê-la;

III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

O rol é taxativo e a prisão do indiciado não se deu em nenhuma das situações necessárias, razão pela qual a prisão preventiva deve ser revogada, pois o clamor público sequer encontra amparo na legislação. Nesse sentido o Ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio tem o entendimento que clamor social e repercussão do caso não constituem fundamentação idônea, conforme citação  abaixo:

Relativamente à questão alusiva à imprensa, vale salientar a necessidade de o Judiciário manter-se equidistante, não se deixando envolver pelo que é veiculado, mormente a visão do leigo (...) O fato de o delito provocar grande repercussão nos meios de comunicação não conduz à prisão preventiva do acusado, estando o prestígio do Judiciário não na dependência da punição a ferro e fogo, mas na atuação harmônica com a ordem jurídica, respeitados os princípios jurídicos basilares da República.

Em entendimento já pacificado, a Suprema Corte adota do seguinte posicionamento a respeito do tema:

O clamor popular não autoriza, por si só, a custódia cautelar. Sem periculum in mora não há prisão preventiva. O clamor popular nada mais é do que uma alteração emocional coletiva provocada pela repercussão de um crime. Sob tal pálio, muita injustiça pode ser feita, até linchamentos (físicos ou morais) (grifo nosso). Por essa razão, a gravidade da imputação, isto é, a brutalidade de um delito que provoca comoção no meio social, gerando sensação de impunidade e descrédito pela demora na prestação jurisdicional, não pode por si só justificar a prisão preventiva. Garantir a ordem pública significa impedir novos crimes durante o processo. Nesse sentido: “A repercussão do crime ou clamor social não são justificativas legais para a prisão preventiva” (STF, RT, 549/417). (CAPEZ, 2016, p. 369).

Nunca é demais esclarecer que este advogado e o portal Vade Mecum Brasil condena toda e qualquer forma de violência doméstica, devendo o autor do delito receber a punição adequada ao caso concreto.

Atenção: o conteúdo desta publicação, bem como as ideias apresentadas, não representam necessariamente a opinião desta coluna, sendo de inteira responsabilidade de seu autor.

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Mardson Costa

Advogado. Graduado pela Faculdade São Paulo. Possui forte atuação no âmbito do Direito Penal e Direito Processual Penal, com ênfase também na execução penal. Consultor e parecerista jurídico. Pesquisador nas áreas do Direito Constitucional e Criminologia. Pós graduando em Direito e Processo Penal.




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