Autor(a) - Daniel Brennand

20-04-2021 12h07

O Combate à Pandemia do Covid-19 e o Estado de Coisas (in)Constitucionais

Com o intuito de levantar reflexões críticas para contribuir com o debate construtivo acerca de temas relevantes e controvertidos do Direito Constitucional, nossa breve reflexão é sobre a deficiência ou insuficiência Estatal na tutela da vida humana no contexto da pandemia do covid-19 e a relação de pertinência com a doutrina do estado de coisas inconstitucional.

Preliminarmente, cumpre-nos breve nota de pesar nos solidarizando com as famílias que tiveram seus entes queridos vitimamos pela pandemia do covid-19.

Em março de 2020, a OMS – Organização Mundial da Saúde – emitiu comunicado declarando a pandemia do covid-19, em decorrência da crescente e acelerada expansão do novo coronavírus pelo mundo.

Antes disso, no mês de fevereiro de 2020, o Presidente da República editou portaria declarando estado de emergência em saúde pública, em decorrência da pandemia do covid-19, assim como sancionou a Lei 13.979/20, que encarta as medidas de combate ao novo coronavírus. Neste contexto, no mês de março de 2020, o Congresso Nacional aprova e edita o decreto legislativo 06/2020, que reconhece o estado de calamidade pública no Brasil, de modo a dispensar o cumprimento de metas fiscais para o ano de 2020, além das exigências contidas na LRF.

Pouco tempo depois, no mês de abril, começava o STF a intervir para dirimir os conflitos federativos no combate ao novo coronavírus.

Assim foi com as seguintes decisões de relevo: a) (ADI 6341) prolatada pelo órgão plenário que reconheceu que a edição da Lei 13.979/2020 não afasta a competência administrativa comum, nem tão pouco a competência concorrente dos Estados, Distrito Federal e Municípios para adoção de medidas administrativas e providências normativas para enfrentamento da pandemia do covid-19; b) (ADPF 672), da lavra do Min. Alexandre de Moraes, ratificando a competência administrativa comum dos Estados, Distrito e Municípios, para adoção de medidas relativas à saúde e assistência pública, vedando o Poder Executivo Federal afastar unilateralmente as decisões dos demais entes federativos; c) (ADI 6.357), também monocrática, da lavra do Min. Alexandre de Moraes, que  suspendeu a eficácia de exigências contidas na LRF e na LDO para o ano de 2020, de modo a dispensar a União (efeito que se estende aos demais entes federativos) da necessidade de indicar fonte de recursos extras para compensar gastos não previstos na LDO com medidas de combate à pandemia do covid-19 

De lá para cá, em que pese tais decisões jurisdicionais e medidas administrativas, vem-se somando cada vez mais vítimas (hoje, estamos superando mais de 355.000 vidas perdidas), cujas famílias sofreram com os impactos devastadores do novo coronavírus.

Diante do cenário até aqui, carregamos a desagradável sensação de que as diversas esferas de governo não vem cumprindo o dever constitucional de tutela da vida, na forma preconizada pela carta magna (artigo 198, da Constituição Federal), que comporta a assistência à saúde do nosso povo, zelar pela integridade físico-psíquica, prover preventivamente leitos de internação, providenciar em tempo hábil campanha nacional e coordenada de vacinação, dentre outras medidas, dever de tutela que se deve oferecer adequadamente e com a máxima eficiência, sendo reflexo do emprego do método de interpretação constitucional da máxima efetividade dos direitos e garantias fundamentais, ressaltando que tal dever impõe relação de solidariedade e cooperação entre os entes federativos.

Assim, entendemos que, quando se tem quadro governamental de insuficiência ou deficiência das políticas públicas para enfrentamento do estado de calamidade em saúde pública, incorrem os entes em omissões inconstitucionais, conforme bem ilustra consistente doutrina de Alexandre de Azevedo Campos (CAMPOS, Alexandre: ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL; Editora Juspdvim, BA, 2ª Ed., 2019).

Neste contexto se insere a doutrina do estado de coisas inconstitucional, originalmente formulada pela Corte Constitucional Colombiana, sendo aportada no Brasil pelo STF por ocasião do memorável julgamento da ADPF 347, no segundo semestre de 2015, em que se analisava a precariedade estrutural do sistema carcerário nacional.

Sinteticamente, foi reconhecido pelo STF o quadro insuportável de violação massiva de direitos fundamentais no sistema carcerário nacional, decorrente de atos comissivos ou omissivos das autoridades públicas, argumento a autorizar o Poder Judiciário a intervir na formulação e implementação de políticas públicas.

Transpondo o raciocínio para o contexto de enfrentamento à pandemia do novo coronavírus, inegavelmente, as já conhecidas e graves deficiências estruturais e de funcionamento do SUS foram aprofundadas, escancarando as mazelas da ineficiente gestão do SUS, somado a isso o tormentoso quadro de conflitos federativos, em decorrência da falta de cooperação e coordenação nacional de políticas públicas, em que pese as relevantes medidas legislativas e administrativas até aqui implementadas, mas que insuficientes a compensar o histórico e insuportável quadro de violação de direitos fundamentais.

Este quadro dramático de violação sistêmica, generalizada e massiva a direitos fundamentais estampa a nós o estado de coisas inconstitucional, que já nos fez perder para o covid-19 o trágico quantitativo de mais de 355.000  vidas, por enquanto.
 

Atenção: o conteúdo desta publicação, bem como as ideias apresentadas, não representam necessariamente a opinião desta coluna, sendo de inteira responsabilidade de seu autor.

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Daniel Brennand

Professor de Direito, com 8 anos de experiência especialmente em Direito Tributario, Processo Constitucional e Direito Empresarial.
Com de experiência em consultoria e contencioso tributario e societario
Especialista em Direito Constitucional Aplicado
Pós Graduando LLM em Direito e Processo Tributário - FMP
Membro do grupo de estudo em Direito e Economia - ESA/RS
Instagram: @prof.danielbrennand
danielbrennand@gmail.com




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