Autor(a) - Mayara Alano

05-08-2021 13h23

Possibilidade de Inscrição na OAB e Inidoneidade Moral em Razão de Violência Contra Mulher

A aprovação da Súmula n.º 09/2019 pelo Conselho Pleno do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, no dia 18 de março de 2019, trouxe algumas divergências e questionamentos acerca da sua aplicabilidade, principalmente no que se refere à ausência de análise por parte do Poder Judiciário. 

A prática de violência contra a mulher, nos moldes da Lei n.º 11.340/2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha (LMP), compõe fator apto a demonstrar a inidoneidade moral e provocar o impedimento da inscrição nos quadros da OAB, pois, segundo Lôbo (2016, p. 93), “[...] não são compatíveis com a idoneidade moral as atitudes e comportamentos imputáveis ao interessado, que contaminarão necessariamente sua atividade profissional, em desprestígio da advocacia”.

A idoneidade moral de que trata a Súmula n.º 09/2019 diz respeito ao inciso VI do art. 8º do Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (EAOAB), ou seja, quando é tratada como um requisito para a inscrição do interessado; já a inidoneidade moral prevista no inciso XXVII do art. 34 do EAOAB, como infração disciplinar, é relativa a fatos posteriores à inscrição, ou seja, quando cometidos por advogados. 

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) compreende que o indeferimento da inscrição do requerente não depende de decisão judicial com trânsito em julgadoI. Já no que se refere à inidoneidade prevista como infração disciplinar, a qual pode se constituir crime, crime infamante ou ato não tipificado em lei, mas contrário à moral adequada para o exercício da profissão, o CFOAB entende que há a necessidade do trânsito julgado da sentença penal condenatória quando o fato se constituir crime ou crime infamanteII.

Com relação à prática de atos não tipificados como crimes ou crimes infamantes, o advogado poderá ser excluído dos quadros da OAB, nos termos do art. 38, II e parágrafo único, do EAOAB, devendo, neste caso, ser declarada a inidoneidade por dois terços dos votos dos membros do conselho competente. Do mesmo modo, o requerente à inscrição poderá ser considerado inidôneo, conforme aduz o § 3º do art. 8º do EAOAB.

O § 4º do art. 8º do EAOAB estabelece que “Não atende ao requisito de idoneidade moral aquele que tiver sido condenado por crime infamante, salvo reabilitação judicial”. (BRASIL, 1994).
Vieira e Cernov (2016, p. 73) afirmam que, embora não se excluam outras hipóteses, o EAOAB estabelece como caso de inidoneidade moral a condenação por crime infamante, porém não é qualquer crime, e sim aquele que causa repúdio à comunidade em geral, em razão dos meios empregados ou das circunstâncias de seu cometimento. Nos casos do § 4º do art. 8º do EAOAB, ou seja, das hipóteses anteriores à inscrição, o CFOAB não tem exigido o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, devendo tão somente ser declarada a inidoneidade mediante decisão que obtenha no mínimo dois terços dos votos do conselho competenteIII. Todavia, na prática de crime infamante superveniente à inscrição, ou seja, crimes infamantes cometidos por advogados (inciso XXVIII do art. 34 do EAOAB), o CFOAB tem exigido reiteradamente o trânsito em julgado da sentença penal condenatóriaIV.

Há ainda que se considerar o princípio da independência das instâncias previsto no art. 2º da CRFB/1988, o qual determina que “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. (BRASIL, 1988). Portanto, conclui-se que a punição administrativa, em regra, não depende de processo criminal ou civil.
Assim, quando o fato constituir crime ou crime infamante praticado pelo requerente à inscrição, não há que se falar em análise por parte do Poder Judiciário e a violação ao princípio da presunção da inocência previsto no art. 5º, LVII, da CRFB/1988, haja vista que a OAB exige alguns requisitos para inscrição e se lhe faltar um deles, colocando em dúvida a idoneidade moral do requerente, preserva-se a sociedade. 

IRECURSO N. 49.0000.2016.004647-4/PCA.
IIRECURSO N. 49.0000.2015.009832-1/SCA-STU.
IIIRECURSO N. 5.584/2001/PCA-RJ.
RECURSO N. 2008.08.01108-05.
IVRECURSO N. 49.0000.2012.001798-5/SCA-TTU.
RECURSO N. 0146/2005/SCA.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Súmula nº 09/2019/COP. Requisitos para a inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil. Idoneidade moral. Prática de feminicídio ou de agressão evidente a mulheres. Proposta de edição de Súmula. Relator: Conselheiro Federal Rafael Braude Canterji. [2019a]. Disponível em: https://catarinas.info/wp-content/uploads/2019/03/Co%CC%81pia-de-49.0000.2019.002283-2-Su%CC%81mula-viole%CC%82ncia-contra-a-mulher.pdf. Acesso em: 22 jul. 2021.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: DF; Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 22 jul. 2021. 

BRASIL. Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Brasília: DF; Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8906.htm. Acesso em: 22 jul. 2021.

BRASIL. Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Recurso 49.0000.2012.001798-5/SCA-TTU.  Processo ético. Recursos ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Advogado. Para exclusão de advogado dos quadros da OAB em representação promovida sob a eiva de cometimento de crime infamante (artigo 34, inciso XXVIII, do EAOAB), exige como pressuposto, tenha a sentença penal condenatória transitado em julgado. [...] Relator: Renato da Costa Figueira, 17 de abril de 2012. Disponível em: https://www.oab.org.br/jurisprudencia/detementa/9489?title=49-0000-2012-001798 5&search=%C3%80%20m%C3%ADngua%20do%20tr%C3%A2nsito%20em%20julgado%20a%20condena%C3%A7%C3%A3o. Acesso em: 22 jul. 2021.

BRASIL. Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Recurso nº 5.584/2001/PCA-RJ. Idoneidade moral - Condenação por crime de homicídio qualificado, com perda de cargo público. Livramento condicional. Não é possível a inscrição nos quadros da OAB, seja como estagiário, seja como advogado, de candidato que foi condenado por homicídio duplamente qualificado, com a decorrente perda de cargo público, face a ausência do requisito da idoneidade moral, estabelecida no art. 8º , VI, e § 4º da Lei 8.906, de 1994. O livramento condicional apenas suspende a execução da pena privativa de liberdade mas não os efeitos da condenação. Relator: Reginald Delmar Hintz Felker, 12 de novembro de 2001. Disponível em: https://www.oab.org.br/jurisprudencia/detementa/1406?title=5584-2001 pca&search=Idoneidade%20moral%20-%20condena%C3%A7%C3%A3o%20por%20crime%20de%20homic%C3%ADdio. Acesso em: 22 jul. 2021.

BRASIL. Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Recurso Nº 0146/2005/SCA.  É nula a decisão condenatória em processo éticodisciplinar quando o fato imputado ao advogado constitui crime e acha-se sub judice, na Vara Criminal competente, instância adequada para a sua apuração, tanto mais quando, na esfera administrativa, a prova revelou-se insuficiente para caracterizar a infração. [...] Relator: Paulo Roberto de Gouvêa Medina, 07 de fevereiro de 2006. 

Atenção: o conteúdo desta publicação, bem como as ideias apresentadas, não representam necessariamente a opinião desta coluna, sendo de inteira responsabilidade de seu autor.

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Mayara Alano

Mayara Alano
Graduada em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Pós-Graduanda em Segurança Pública e Investigação Criminal.
e-mail: mayaraalano@hotmail.com
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