O estado de necessidade é uma exclusão de ilicitude prevista no direito penal brasileiro e em diversos outros ordenamentos jurídicos ao redor do mundo. Isso ocorre quando uma pessoa comete um ato que, em circunstâncias normais, seria considerado ilícito, mas que, devido a uma situação de perigo iminente e imediata, torna-se justificável. Para melhor compreensão, é fundamental explorar os aspectos conceituais, normativos e doutrinários do estado de necessidade.
1. Conceito de Estado de Necessidade
O estado de necessidade pode ser entendido como uma situação excepcional na qual uma pessoa precisa sacrificar um bem jurídico para proteger outro, de valor igual ou superior, diante de um perigo atual ou iminente que não pode ser evitado de outra forma. Essa situação é tratada pelo artigo 24 do Decreto-lei 2.848/40, o Código Penal, que define o estado de necessidade do seguinte
Art. 24 – Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.
§ 1º – Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.
§ 2º – Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços.
O conceito também é encontrado em outros sistemas jurídicos, como no Código Penal português e no Código Penal alemão, que estabelecem disposições semelhantes para a exclusão.
2. Elementos Caracterizadores
Para que se configure o estado de necessidade, alguns elementos essenciais devem estar presentes:
– Perigo Atual ou Iminente: o perigo deve ser atual, isto é, estar acontecendo no momento da ação, ou iminente, prestes a acontecer. O risco deve ser real e concreto, não hipotético ou imaginário;
– Inevitabilidade da Ação: uma situação deve ser de tal forma que não haja outra maneira razoável de evitar o perigo. Uma pessoa deve ter esgotado todas as alternativas possíveis antes de sacrificar um bem jurídico;
– Proteção de um Bem Jurídico Próprio ou Alheio: a ação deve visar a proteção de um bem jurídico, que pode ser tanto de titularidade do próprio agente quanto de terceiro. O bem protegido deve ser de valor igual ou superior ao bem sacrificado;
– Ausência de Provocação Dolosa do Perigo: o perigo não deve ter sido provocado voluntariamente pelo agente. Se o agente criar intencionalmente uma situação de perigo para justificar sua conduta, não se aplica ao estado de necessidade;
– Inexigibilidade de Sacrifício do Bem Jurídico: o sacrifício do bem jurídico afetado deve ser, nas situações do caso concreto, algo que não se pode razoavelmente exigido.
3. Limites do Estado de Necessidade
Embora o estado de necessidade funcione como uma justificativa para atos que normalmente seriam ilícitos, há limites importantes. Um desses limites é a proporcionalidade entre o bem jurídico sacrificado e o bem jurídico protegido. Por exemplo, não seria justificável sacrificar a vida de uma pessoa para proteger um patrimônio de baixo valor. Também há debates doutrinários sobre o chamado “estado de necessidade agressiva”, onde o bem sacrificado pertence a um terceiro inocente, e se essa situação deveria ser ou não aparada pela excludente.
4. Distinção entre Estado de Necessidade e Outros Casos
É importante diferenciar o estado de necessidade de outras excludentes de ilicitude, como uma defesa legítima. A defesa legítima ocorre quando uma pessoa utiliza meios necessários para repelir uma agressão injusta, atual ou iminente, contra si ou contra outrem. Não há estado de necessidade, não há necessariamente uma decisão injusta, mas sim uma situação de perigo que deve ser evitada.
Além disso, enquanto na defesa legítima o ataque é dirigido ao agressor, no estado de necessidade do sacrifício pode recair sobre um bem jurídico de um terceiro que não tenha provocado uma situação de perigo.
4.1. Exemplo Prático
Um exemplo clássico de estado de necessidade é o caso de uma pessoa que, para salvar-se de um incêndio, invade uma propriedade em Alheia, causando danos. Embora, em circunstâncias normais, invadir uma propriedade e causar danos possa ser ilícito, a urgência da situação (incêndio) e a necessidade de proteger a própria vida justificam tais atos.
Conclusão
O estado de necessidade é um instituto jurídico de grande relevância, pois permite que o ordenamento jurídico considere particularidades de situações extremas em que uma estrita observância da lei possa levar a consequências injustas. Ao estabelecer critérios claros para sua aplicação, o direito busca garantir que apenas situações verdadeiramente legítimas sejam justificadas, protegendo, assim, o equilíbrio entre a ordem jurídica e as demandas de justiça social.
Equipe Editorial Vade Mecum Brasil
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