Os pressupostos formais de admissibilidade de uma demanda no âmbito do Direito Internacional são requisitos fundamentais para que uma controvérsia entre Estados ou outros sujeitos de direito internacional seja apreciada por uma corte ou tribunal internacional. Esses pressupostos derivam da necessidade de garantir que os mecanismos de resolução de controvérsias internacionais sejam utilizados de maneira eficiente, dentro dos princípios do Direito Internacional e das normas específicas de cada tribunal.
A admissibilidade de uma demanda internacional é analisada em dois âmbitos: o substantivo e o formal. Enquanto os pressupostos substanciais se referem à existência de um direito ou à violação de uma norma internacional, os pressupostos formais lidam com as questões processuais, ou seja, com as condições que devem ser preenchidas para que o tribunal ou órgão internacional aceite julgar a questão.
1. Consentimento das Partes
O princípio da soberania estatal é um dos pilares do Direito Internacional. Assim, em disputas internacionais, um dos pressupostos formais mais fundamentais é o consentimento das partes. Isso significa que, em regra, nenhum tribunal internacional pode exercer jurisdição sobre uma questão envolvendo Estados soberanos sem que haja o consentimento explícito ou implícito de ambas as partes envolvidas.
Esse consentimento pode ser dado por meio de um tratado específico que estabeleça a jurisdição de um tribunal (como no caso da Corte Internacional de Justiça), por cláusulas compromissórias inseridas em acordos bilaterais ou multilaterais, ou ainda por declarações unilaterais aceitando a jurisdição de um tribunal em determinados casos. A Corte Internacional de Justiça, por exemplo, exige que os Estados tenham reconhecido sua jurisdição para que possa julgar a questão. Esse reconhecimento pode ocorrer no ato da aceitação da jurisdição obrigatória da corte, prevista no artigo 36 do Estatuto da CIJ.
Artigo 36
1. A competência da Corte se estende a todos os litígios que as partes a submetam e a todos os assuntos especialmente previstos na Carta das Nações Unidas ou nos tratados e convenções vigentes.
2. Os Estados partes neste presente Estatuto que aceite a mesma obrigação, a jurisdição da Corte em todas as controvérsias de ordem jurídica que tratem sobre:
3. A interpretação de um tratado;
4. Qualquer questão de direito internacional;
5. A existência de todo feito que, se for estabelecido, constituirá violação de uma obrigação internacional;
6. A natureza ou extensão da reparação que seja feita pela quebra de uma obrigação internacional.
7. A declaração a que se refere este Artigo poderá ser feita incondicionalmente ou sob condição de reciprocidade por parte de vários ou determinados Estados, ou por determinado tempo.
8. Estas declarações serão remetidas para seu depósito ao secretário Geral das Nações Unidas, que transmitirá cópias delas às partes neste Estatuto e ao Secretário da Corte.
9. As declarações feitas de acordo com o Artigo 36 do Estatuto da Corte Permanente de Justiça Internacional que estiverem ainda em vigor, serão consideradas, respeito das partes no presente Estatuto, como aceitação da jurisdição da Corte internacional de Justiça pelo período que ainda fique em vigência e conforme os termos de tais declarações.
10. Em caso de disputa sobre se a Corte tem ou não jurisdição, a Corte decidirá.
2. Exaurimento dos Recursos Internos
Outro pressuposto formal clássico é a exigência de exaurimento dos recursos internos, especialmente nas demandas que envolvem violações de direitos humanos. Esse princípio é consagrado em diversos tratados internacionais, como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) e a Convenção Europeia de Direitos Humanos.
De acordo com esse pressuposto, antes de submeter uma questão a uma corte internacional, o demandante deve ter esgotado todas as vias de recurso disponíveis no ordenamento jurídico interno do Estado responsável pela suposta violação. O objetivo é assegurar que o Estado envolvido tenha a oportunidade de reparar a violação dentro de sua própria estrutura jurídica. A exceção a essa regra ocorre quando os recursos internos são inexistentes, ineficazes ou demorados ao ponto de não oferecerem uma solução adequada à questão, como reconhecido pela jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos.
3. Prazo Razoável para a Interposição de Ações
O Direito Internacional também estabelece prazos para a interposição de ações perante tribunais internacionais, com o intuito de garantir a segurança jurídica e evitar que litígios sejam iniciados de forma tardia, quando as evidências e o contexto dos fatos já não permitem uma análise precisa.
Os tratados internacionais frequentemente estabelecem prazos específicos para a interposição de ações. Por exemplo, na Corte Interamericana de Direitos Humanos, o prazo para submeter um caso à Comissão Interamericana é de seis meses a partir do esgotamento dos recursos internos. No contexto da Organização Mundial do Comércio (OMC), o sistema de solução de controvérsias também impõe prazos específicos em cada etapa do procedimento, desde a consulta até a decisão final do painel ou do órgão de apelação.
4. Legitimidade Ativa
Outro pressuposto formal é a legitimidade ativa, ou seja, quem está habilitado a propor a demanda no âmbito internacional. Em muitas situações, apenas os Estados possuem legitimidade para demandar perante tribunais internacionais. Entretanto, em alguns sistemas de proteção de direitos humanos, como no sistema interamericano e europeu, indivíduos também podem ter legitimidade para submeter petições.
Nos tribunais de direitos humanos, por exemplo, a legitimidade ativa é conferida a indivíduos ou grupos de indivíduos que alegam terem sido vítimas de violações de direitos humanos perpetradas por um Estado. Já nos tribunais de comércio ou outros tribunais com jurisdição limitada a questões interestatais, apenas Estados têm legitimidade ativa, sendo que indivíduos ou empresas, quando afetados, devem buscar a proteção de seus direitos por meio de seus governos.
5. Objetivo da Controvérsia
O objeto da demanda deve ser claro e preciso, ou seja, a controvérsia deve versar sobre uma questão jurídica e específica, que possa ser solucionada por meio do Direito Internacional. Isso inclui, por exemplo, questões relacionadas à interpretação de tratados, à responsabilização por violação de normas internacionais ou à reparação de danos causados por atos ilícitos internacionais.
Tribunais como a Corte Internacional de Justiça são competentes para resolver litígios relativos a qualquer questão jurídica, como estabelecido no artigo 36 do Estatuto da CIJ. Contudo, o tribunal não pode se envolver em questões puramente políticas ou que não envolvam aspectos do Direito Internacional. O caso Nottebohm (Liechtenstein X Guatemala), decidido pela CIJ, é um exemplo clássico em que a Corte limitou-se a analisar a questão sob o prisma do direito de nacionalidade e não sobre aspectos políticos ou econômicos do litígio.
6. Não Duplicidade de Procedimentos
Outro pressuposto importante, sobretudo em litígios de direitos humanos, é a regra da non bis in idem, ou seja, a proibição de que uma mesma questão seja julgada em duas jurisdições diferentes simultaneamente. Muitos sistemas de solução de controvérsias internacionais, como o sistema interamericano, não admitem que um caso seja levado à sua jurisdição se já houver uma decisão sobre o mesmo assunto proferida por outra instância internacional.
Essa regra busca evitar a duplicidade de procedimentos e a insegurança jurídica que poderia surgir da existência de decisões conflitantes sobre o mesmo fato. Um exemplo seria o sistema de direitos humanos das Nações Unidas, que inclui comitês como o Comitê de Direitos Humanos, que rejeita petições quando já houver decisão por outro órgão internacional competente.
Conclusão
Os pressupostos formais de admissibilidade no Direito Internacional refletem os princípios fundamentais do sistema internacional, como a soberania dos Estados, a necessidade de esgotamento de vias internas e a proteção contra a duplicidade de procedimentos. Tais requisitos garantem que as cortes internacionais possam desempenhar suas funções de maneira eficaz e ordenada, respeitando as particularidades dos Estados e das pessoas envolvidas nas controvérsias internacionais. Esses pressupostos também buscam harmonizar a necessidade de resolver litígios internacionais com o respeito às normas e procedimentos estabelecidos pela ordem jurídica internacional, proporcionando uma estrutura clara e previsível para a resolução de disputas entre Estados e outros sujeitos de direito internacional.
Equipe Editorial Vade Mecum Brasil
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