Dupla Nacionalidade

A dupla nacionalidade, também conhecida como dupla cidadania, é um instituto jurídico pelo qual uma pessoa pode ser considerada simultaneamente cidadã de dois países, possuindo direitos e deveres em ambas as jurisdições. No Brasil, a questão da dupla nacionalidade está prevista na Constituição Federal, especificamente no artigo 12, inciso II, que regula os casos em que é permitido ao cidadão brasileiro ter outra nacionalidade, sem perda da cidadania brasileira.

1. Previsão Constitucional da Nacionalidade Brasileira

A nacionalidade, enquanto vínculo jurídico-político que liga o indivíduo a um Estado, é um direito fundamental protegido pela Constituição Federal. O artigo 12 da Constituição Federal estabelece os critérios para aquisição da nacionalidade brasileira, distinguindo entre brasileiros natos e naturalizados.

Art. 12 – São brasileiros:

I – natos:

a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;

b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;

c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira;

II – naturalizados:

a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral;

b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira.

§ 1º – Aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta Constituição.

§ 2º – A lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados, salvo nos casos previstos nesta Constituição.

§ 3º – São privativos de brasileiro nato os cargos:

I – de Presidente e Vice-Presidente da República;

II – de Presidente da Câmara dos Deputados;

III – de Presidente do Senado Federal;

IV – de Ministro do Supremo Tribunal Federal;

V – da carreira diplomática;

VI – de oficial das Forças Armadas.

VII – de Ministro de Estado da Defesa.

§ 4º – Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que:

I – tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de fraude relacionada ao processo de naturalização ou de atentado contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;

II – fizer pedido expresso de perda da nacionalidade brasileira perante autoridade brasileira competente, ressalvadas situações que acarretem apatridia.

a) revogada;

b) revogada.

§ 5º – A renúncia da nacionalidade, nos termos do inciso II do § 4º deste artigo, não impede o interessado de readquirir sua nacionalidade brasileira originária, nos termos da lei.

Resumindo:

– Brasileiros natos: são aqueles que adquirem a nacionalidade originária, de acordo com as condições estabelecidas no artigo 12, inciso I, como os nascidos no território brasileiro, de pais brasileiros ou estrangeiros que não estejam a serviço de seu país;

– Brasileiros naturalizados: conforme o artigo 12, inciso II, são estrangeiros que adquirem a nacionalidade brasileira mediante o preenchimento de requisitos legais, como o tempo de residência no Brasil.

2. Dupla Nacionalidade e o Princípio da Exclusividade

No direito internacional e em muitas constituições, há o princípio de que o indivíduo deva ter lealdade exclusiva a um único Estado, evitando assim conflitos de obrigações.

De acordo com a redação do artigo 12, Parágrafo 4º, a perda da nacionalidade brasileira só ocorrerá em duas hipóteses:

– Ato voluntário de naturalização: O brasileiro que adquire outra nacionalidade por ato voluntário e expresso, salvo nas exceções previstas;

– Imposição de outra nacionalidade: O brasileiro que for compelido a adquirir outra nacionalidade em decorrência de imposição legal de outro Estado.

Neste contexto, a Constituição Federal prevê duas exceções à perda da nacionalidade:

– Reconhecimento de nacionalidade originária estrangeira: quando o cidadão brasileiro adquire a nacionalidade de outro país em virtude de ascendência, ou seja, pela origem familiar, como ocorre com descendentes de italianos ou espanhóis.

– Imposição de outra nacionalidade por país estrangeiro: quando a aquisição de outra nacionalidade não é uma escolha voluntária, mas sim uma exigência do país estrangeiro, seja para o exercício de direitos civis ou para residência permanente.

Assim, o Brasil permite a coexistência de nacionalidades quando o cidadão brasileiro se enquadra em uma dessas situações.

3. Implicações e Conflitos da Dupla Nacionalidade

A dupla nacionalidade pode gerar implicações tanto no âmbito interno quanto no internacional. No âmbito interno, um indivíduo com dupla nacionalidade mantém seus direitos e deveres como cidadão brasileiro, estando sujeito à legislação brasileira, como o cumprimento de obrigações eleitorais e militares, por exemplo.

No âmbito internacional, surgem questões relacionadas ao princípio da não interferência nos assuntos internos de outro Estado. A existência de dupla nacionalidade pode, em algumas situações, criar conflitos diplomáticos, especialmente em casos de extradição ou jurisdição, uma vez que ambos os Estados podem reivindicar jurisdição sobre o cidadão. No entanto, o Brasil adota uma política de proteção ao seu cidadão, conforme o artigo 5º, inciso LI, da Constituição Federal, que veda a extradição de brasileiros natos, salvo em casos de comprovado envolvimento com tráfico de entorpecentes, e de naturalizados, apenas em crimes comuns cometidos antes da naturalização ou em crimes de tráfico.

Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

…………………..

LI – nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei;

…………………

4. Tratados Internacionais e a Dupla Nacionalidade

Diversos tratados internacionais tratam da questão da dupla nacionalidade, e as relações entre os Estados são geralmente reguladas por meio de acordos bilaterais ou multilaterais. Esses tratados visam evitar problemas como a dupla tributação ou o cumprimento de obrigações militares em dois países. Um exemplo notório é a Convenção sobre a Redução de Casos de Múltipla Nacionalidade e sobre as Obrigações Militares em Casos de Múltipla Nacionalidade, de 1963, da qual o Brasil não é signatário.

Além disso, a União Europeia permite que cidadãos de seus Estados-membros possam exercer direitos em qualquer país membro, o que, na prática, pode gerar uma forma de “cidadania europeia”, na qual indivíduos com dupla nacionalidade de um país da UE desfrutam de benefícios em todo o bloco.

Conclusão

A dupla nacionalidade é um fenômeno cada vez mais presente em um mundo globalizado, onde as fronteiras são permeáveis e os cidadãos frequentemente estabelecem laços com mais de um país. A Constituição Federal reconhece a legitimidade dessa condição, impondo limitações apenas para manter a lealdade do cidadão ao Estado brasileiro, em situações estritamente definidas.

Do ponto de vista jurídico, a dupla nacionalidade permite uma ampliação dos direitos e deveres dos indivíduos em duas jurisdições distintas, ao mesmo tempo em que pode gerar complexidades em termos de direitos internacionais. Entretanto, a regulação do instituto pelo Brasil está em conformidade com os princípios de soberania e proteção de seus cidadãos, buscando garantir que esses possam exercer plenamente seus direitos, independentemente de sua conexão com outro Estado.

Equipe Editorial Vade Mecum Brasil

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