O processo disciplinar no âmbito da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) é um procedimento administrativo de caráter punitivo, destinado a apurar infrações ético-disciplinares cometidas por advogados, estagiários ou membros da própria instituição. Este processo está previsto no Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei 8.906/), no Código de Ética e Disciplina da OAB, bem como no Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB.
1. Fundamento Legal
O processo disciplinar da OAB está regulado pela Lei 8.906/94, que estabelece as normas sobre a advocacia e a OAB. Além disso, o Código de Ética e Disciplina da OAB é o documento norteador das condutas esperadas dos advogados, disciplinando a ética profissional e suas possíveis sanções.
Os artigos 70 a 77 do Estatuto da Advocacia preveem o funcionamento do Tribunal de Ética e Disciplina (TED), órgão responsável por julgar e aplicar as penalidades aos inscritos na OAB.
Art. 70 – O poder de punir disciplinarmente os inscritos na OAB compete exclusivamente ao Conselho Seccional em cuja base territorial tenha ocorrido a infração, salvo se a falta for cometida perante o Conselho Federal.
§ 1º – Cabe ao Tribunal de Ética e Disciplina, do Conselho Seccional competente, julgar os processos disciplinares, instruídos pelas Subseções ou por relatores do próprio conselho.
§ 2º – A decisão condenatória irrecorrível deve ser imediatamente comunicada ao Conselho Seccional onde o representado tenha inscrição principal, para constar dos respectivos assentamentos.
§ 3º – O Tribunal de Ética e Disciplina do Conselho onde o acusado tenha inscrição principal pode suspendê-lo preventivamente, em caso de repercussão prejudicial à dignidade da advocacia, depois de ouvi-lo em sessão especial para a qual deve ser notificado a comparecer, salvo se não atender à notificação. Neste caso, o processo disciplinar deve ser concluído no prazo máximo de noventa dias.
Art. 71 – A jurisdição disciplinar não exclui a comum e, quando o fato constituir crime ou contravenção, deve ser comunicado às autoridades competentes.
Art. 72 – O processo disciplinar instaura-se de ofício ou mediante representação de qualquer autoridade ou pessoa interessada.
§ 1º – O Código de Ética e Disciplina estabelece os critérios de admissibilidade da representação e os procedimentos disciplinares.
§ 2º – O processo disciplinar tramita em sigilo, até o seu término, só tendo acesso às suas informações as partes, seus defensores e a autoridade judiciária competente.
Art. 73 – Recebida a representação, o Presidente deve designar relator, a quem compete a instrução do processo e o oferecimento de parecer preliminar a ser submetido ao Tribunal de Ética e Disciplina.
§ 1º – Ao representado deve ser assegurado amplo direito de defesa, podendo acompanhar o processo em todos os termos, pessoalmente ou por intermédio de procurador, oferecendo defesa prévia após ser notificado, razões finais após a instrução e defesa oral perante o Tribunal de Ética e Disciplina, por ocasião do julgamento.
§ 2º – Se, após a defesa prévia, o relator se manifestar pelo indeferimento liminar da representação, este deve ser decidido pelo Presidente do Conselho Seccional, para determinar seu arquivamento.
§ 3º – O prazo para defesa prévia pode ser prorrogado por motivo relevante, a juízo do relator.
§ 4º – Se o representado não for encontrado, ou for revel, o Presidente do Conselho ou da Subseção deve designar-lhe defensor dativo;
§ 5º – É também permitida a revisão do processo disciplinar, por erro de julgamento ou por condenação baseada em falsa prova.
Art. 74 – O Conselho Seccional pode adotar as medidas administrativas e judiciais pertinentes, objetivando a que o profissional suspenso ou excluído devolva os documentos de identificação.
Art. 75 – Cabe recurso ao Conselho Federal de todas as decisões definitivas proferidas pelo Conselho Seccional, quando não tenham sido unânimes ou, sendo unânimes, contrariem esta lei, decisão do Conselho Federal ou de outro Conselho Seccional e, ainda, o regulamento geral, o Código de Ética e Disciplina e os Provimentos.
Parágrafo único. Além dos interessados, o Presidente do Conselho Seccional é legitimado a interpor o recurso referido neste artigo.
Art. 76 – Cabe recurso ao Conselho Seccional de todas as decisões proferidas por seu Presidente, pelo Tribunal de Ética e Disciplina, ou pela diretoria da Subseção ou da Caixa de Assistência dos Advogados.
Art. 77 – Todos os recursos têm efeito suspensivo, exceto quando tratarem de eleições (arts. 63 e seguintes), de suspensão preventiva decidida pelo Tribunal de Ética e Disciplina, e de cancelamento da inscrição obtida com falsa prova.
Parágrafo único. O regulamento geral disciplina o cabimento de recursos específicos, no âmbito de cada órgão julgador.
2. Competência
Conforme o artigo 70 do Estatuto da Advocacia, cabe ao Tribunal de Ética e Disciplina (TED) da OAB, em suas seccionais e subseções, a competência para julgar os processos disciplinares. O TED é responsável por instruir e julgar, em primeira instância, as representações por infrações ético-disciplinares, garantindo que as condutas dos advogados estejam em conformidade com os preceitos éticos e legais da profissão.
3. Natureza do Processo Disciplinar
O processo disciplinar na OAB possui natureza administrativa e visa apurar possíveis infrações ético-disciplinares cometidas no exercício da advocacia. Ele não se confunde com processos judiciais, embora as sanções impostas possam acarretar desdobramentos civis e criminais. O processo é regido pelos princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa e devido processo legal (artigo 5º, incisos LIV e LV da Constituição Federal).
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LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
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4. Infrações e Penalidades
O Código de Ética e Disciplina da OAB descreve diversas infrações disciplinares, como:
– Atuar com falta de ética ou lealdade em relação ao cliente, colegas ou partes adversas (artigo 34 do Estatuto da Advocacia);
– Violação do sigilo profissional;
– Publicidade indevida e captação irregular de clientela;
– Prática de atos incompatíveis com a advocacia;
– As penalidades previstas incluem (artigo. 35 do Estatuto da Advocacia):
– Censura;
– Suspensão;
– Exclusão;
– Multa.
Art. 34 – Constitui infração disciplinar:
I – exercer a profissão, quando impedido de fazê-lo, ou facilitar, por qualquer meio, o seu exercício aos não inscritos, proibidos ou impedidos;
II – manter sociedade profissional fora das normas e preceitos estabelecidos nesta lei;
III – valer-se de agenciador de causas, mediante participação nos honorários a receber;
IV – angariar ou captar causas, com ou sem a intervenção de terceiros;
V – assinar qualquer escrito destinado a processo judicial ou para fim extrajudicial que não tenha feito, ou em que não tenha colaborado;
VI – advogar contra literal disposição de lei, presumindo-se a boa-fé quando fundamentado na inconstitucionalidade, na injustiça da lei ou em pronunciamento judicial anterior;
VII – violar, sem justa causa, sigilo profissional;
VIII – estabelecer entendimento com a parte adversa sem autorização do cliente ou ciência do advogado contrário;
IX – prejudicar, por culpa grave, interesse confiado ao seu patrocínio;
X – acarretar, conscientemente, por ato próprio, a anulação ou a nulidade do processo em que funcione;
XI – abandonar a causa sem justo motivo ou antes de decorridos dez dias da comunicação da renúncia;
XII – recusar-se a prestar, sem justo motivo, assistência jurídica, quando nomeado em virtude de impossibilidade da Defensoria Pública;
XIII – fazer publicar na imprensa, desnecessária e habitualmente, alegações forenses ou relativas a causas pendentes;
XIV – deturpar o teor de dispositivo de lei, de citação doutrinária ou de julgado, bem como de depoimentos, documentos e alegações da parte contrária, para confundir o adversário ou iludir o juiz da causa;
XV – fazer, em nome do constituinte, sem autorização escrita deste, imputação a terceiro de fato definido como crime;
XVI – deixar de cumprir, no prazo estabelecido, determinação emanada do órgão ou de autoridade da Ordem, em matéria da competência desta, depois de regularmente notificado;
XVII – prestar concurso a clientes ou a terceiros para realização de ato contrário à lei ou destinado a fraudá-la;
XVIII – solicitar ou receber de constituinte qualquer importância para aplicação ilícita ou desonesta;
XIX – receber valores, da parte contrária ou de terceiro, relacionados com o objeto do mandato, sem expressa autorização do constituinte;
XX – locupletar-se, por qualquer forma, à custa do cliente ou da parte adversa, por si ou interposta pessoa;
XXI – recusar-se, injustificadamente, a prestar contas ao cliente de quantias recebidas dele ou de terceiros por conta dele;
XXII – reter, abusivamente, ou extraviar autos recebidos com vista ou em confiança;
XXIII – deixar de pagar as contribuições, multas e preços de serviços devidos à OAB, depois de regularmente notificado a fazê-lo
XXIV – incidir em erros reiterados que evidenciem inépcia profissional;
XXV – manter conduta incompatível com a advocacia;
XXVI – fazer falsa prova de qualquer dos requisitos para inscrição na OAB;
XXVII – tornar-se moralmente inidôneo para o exercício da advocacia;
XXVIII – praticar crime infamante;
XXIX – praticar, o estagiário, ato excedente de sua habilitação.
XXX – praticar assédio moral, assédio sexual ou discriminação.
§ 1º – Inclui-se na conduta incompatível:
a) prática reiterada de jogo de azar, não autorizado por lei;
b) incontinência pública e escandalosa;
c) embriaguez ou toxicomania habituais.
§ 2º – Para os fins desta Lei, considera-se:
I – assédio moral: a conduta praticada no exercício profissional ou em razão dele, por meio da repetição deliberada de gestos, palavras faladas ou escritas ou comportamentos que exponham o estagiário, o advogado ou qualquer outro profissional que esteja prestando seus serviços a situações humilhantes e constrangedoras, capazes de lhes causar ofensa à personalidade, à dignidade e à integridade psíquica ou física, com o objetivo de excluí-los das suas funções ou de desestabilizá-los emocionalmente, deteriorando o ambiente
II – assédio sexual: a conduta de conotação sexual praticada no exercício profissional ou em razão dele, manifestada fisicamente ou por palavras, gestos ou outros meios, proposta ou imposta à pessoa contra sua vontade, causando-lhe constrangimento e violando a sua liberdade sexual;
III – discriminação: a conduta comissiva ou omissiva que dispense tratamento constrangedor ou humilhante a pessoa ou grupo de pessoas, em razão de sua deficiência, pertença a determinada raça, cor ou sexo, procedência nacional ou regional, origem étnica, condição de gestante, lactante ou nutriz, faixa etária, religião ou outro fator.
Art. 35 – As sanções disciplinares consistem em:
I – censura;
II – suspensão;
III – exclusão;
IV – multa.
Parágrafo único. As sanções devem constar dos assentamentos do inscrito, após o trânsito em julgado da decisão, não podendo ser objeto de publicidade a de censura.
Cada penalidade tem requisitos específicos para sua aplicação, sendo a censura a sanção mais branda e a exclusão, a mais grave, aplicada em casos de reincidência ou infrações gravíssimas.
5. Fases do Processo Disciplinar
O processo disciplinar na OAB segue as seguintes etapas:
5.1. Instauração
O processo é instaurado a partir de uma representação escrita dirigida ao presidente da seccional ou do Tribunal de Ética e Disciplina, que dará início à apuração da conduta do advogado.
5.2. Instrução
Após a instauração, ocorre a fase de instrução processual, onde são colhidas provas, realizadas audiências e colhidos depoimentos, respeitando sempre o contraditório e a ampla defesa.
5.3. Julgamento
O julgamento é realizado pelo Tribunal de Ética e Disciplina da OAB, que decide com base nas provas e nos argumentos apresentados pelas partes. A decisão pode resultar na absolvição ou na aplicação de sanções.
5.4. Recurso
Caso a parte não concorde com a decisão, pode interpor recurso ao Conselho Federal da OAB, que julgará em última instância. A decisão definitiva cabe à instância superior, não sendo possível recurso judicial, salvo em casos de nulidades processuais ou lesões a direitos fundamentais.
6. Princípios Aplicáveis
Alguns princípios fundamentais regem o processo disciplinar da OAB:
– Ampla defesa e contraditório: o advogado representado tem o direito de apresentar sua defesa, produzir provas e contestar as acusações;
– Devido processo legal: todas as etapas do processo devem seguir rigorosamente as normas procedimentais estabelecidas, sob pena de nulidade;
– Sigilo processual: o processo disciplinar tramita sob sigilo até o seu julgamento final, a fim de proteger a imagem e a reputação dos envolvidos.
7. Prescrição
As infrações ético-disciplinares na OAB estão sujeitas a prazos de prescrição, sendo a pretensão punitiva prescreve em 5 anos, contados da data da ocorrência da infração, exceto nos casos de infrações continuadas, conforme determina o artigo 43 da Lei 8.906/94, o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil.
Art. 43 – A pretensão à punibilidade das infrações disciplinares prescreve em cinco anos, contados da data da constatação oficial do fato.
§ 1º – Aplica-se a prescrição a todo processo disciplinar paralisado por mais de três anos, pendente de despacho ou julgamento, devendo ser arquivado de ofício, ou a requerimento da parte interessada, sem prejuízo de serem apuradas as responsabilidades pela paralisação.
§ 2º – A prescrição interrompe-se:
I – pela instauração de processo disciplinar ou pela notificação válida feita diretamente ao representado;
II – pela decisão condenatória recorrível de qualquer órgão julgador da OAB.
8. Consequências do Processo Disciplinar
As sanções aplicadas no processo disciplinar podem ter consequências sérias para o advogado, incluindo a suspensão de suas atividades, a exclusão dos quadros da OAB, e a imposição de multa. Além disso, a exclusão pode repercutir negativamente na reputação profissional, além de gerar impedimentos para o exercício de outras profissões jurídicas.
Conclusão
O processo disciplinar no âmbito da OAB é uma ferramenta essencial para garantir a integridade, a ética e a boa reputação da advocacia no Brasil. Ele busca assegurar que os profissionais inscritos na Ordem atuem conforme os padrões éticos e legais estabelecidos, com respeito aos direitos dos clientes, dos colegas e da sociedade. Ao garantir a observância do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, a OAB cumpre sua função institucional de zelar pela dignidade da advocacia e pela proteção da sociedade.
Equipe Editorial Vade Mecum Brasil
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